O canal História é paradigmático. Nascido como canal cultural, prometendo documentários de qualidade (de “História) e o apoio à produção nacional, foi decaindo na sua programação, ao ponto de ser obsceno chamar-lhe “Canal História”. E os outros canais temáticos vão pelo mesmo caminho.
O canal Odisseia, o Discovery e até o insuspeito National Geographic vendem cada vez mais “gato por lebre”. Todos eles, caídos no remoninho das audiências, vão emitindo displicentemente, sustentados no argumento de darem ao público o que o público quer, mesmo quando esse argumento falacioso se traduz em programação leviana e de má qualidade.
Deve ser o mesmo argumento que leva as televisões nacionais a apresentarem-nos nos programas populares dos domingos uma inenarrável “música portuguesa”, numa passerelle de brejeirice e mau gosto, junto da qual – digo-o sem ironia – Quim Barreiros é sempre uma pérola do bem versejar e musicar.
Os canais norte americanos têm produção cultural excelente, sofrível e muito má. Mas não é de estranhar que conjuntamente com o pouco muito bom exportem o muito mau, sobretudo para os países que, pelos vistos, devem considerar culturalmente atrasados ou amorfos, como será Portugal. E o que mais me irrita é a passividade de quem gere os canais em Portugal, a começar pelos seus proprietários, passando pelos coordenadores de emissão.
Não se deve dar ao público o que ele quer, porque os media têm a responsabilidade ética de dar sempre ao público muito mais cultura do que é suposto ele querer. Porque a educação pela cultura também é isso mesmo: compreender, propor, enfrentar, elevar-se; e porque para sobreviver a democracia não pode pactuar com alienação.
Os defensores das “liberdades integrais” sempre afirmarão [LER_MAIS] que se pode escolher o que se quer ver e que o mínimo desvio a essa liberdade pode ser visto como censura intolerável. Receio o argumento e tenho dificuldade em contrariá-lo, esperando intimamente que um dia, tal como preconizou Karl Popper, toda a conduta dos profissionais que trabalham na televisão seja implicitamente vinculada a um compromisso ético.
Entretanto, furioso, vou fazendo zapping, entre incontáveis programa de leilões com figuras exóticas e bizarras a venderem e a comprarem lixo, a transformarem sucata em carros de luxo, a procurarem “imundices”, a delapidarem e destruírem o Alasca em busca de ouro, a explorarem indecentemente populações na mercancia de pedras valiosas (e a vangloriarem-se do excelente negócio que fizeram).
E até os canais só de natureza nos atiram esse engodo, de raramente nos mostrarem a natureza como ela está actualmente: em convulsão, em ruptura, em transformação perigosa para a Humanidade.
Esses canais continuam pela trilionésima vez a mostraremnos os leões a caçarem gazelas e os ursos a apanharem salmões, as cobras mais mortíferas e os crocodilos mais perigosos, os elefantes entediados na savana e os búfalos pachorrentos ao seu lado …
Como se a natureza – serena, equilibrada, previsível (tal como há 100 ou 50 anos) -, continuasse plácida e calmamente a poder ser usufruída e observada. Como se nada tivesse mudado, entretanto. É claro que quando acordarmos será tarde de mais.
*Professor