Escrevo-vos de Lisboa, no entanto, é no Nepal que estarei enquanto me lêem. Viajamos no tempo. Escrever é sempre mais antigo do que agora, deixa rasto e explica porque é que amanhã vai ser mais ou menos como será.
Nas montanhas, entre mim e o outro eu que há-de estar à minha espera do outro lado daquele cume, não vejo nada a não ser ar. E ver ar já é nada mal.
Respirar as possibilidades de tudo ser qualquer coisa porque se disse que sim, que isto agora é uma coisa, porque eu disse, porque eu quero e porque eu sou o que digo, se não estiver doente ou parvo ou a fingir.
Se estiver a sério, o caminho cerra-se e dá-me uma foice exactamente à medida da erva que terá de ser desbastada, e eu, que não sou parvo nem nada, desbasto-a, até porque a curiosidade é o meu motor mais potente, também o mais perigoso, talvez com cilindragem a mais para a carroçaria que me aconteceu.
Até ver – aguenta-se, arredando meia dúzia de ataques de pânico, não me tem corrido tão mal como poderia ter corrido.
[LER_MAIS] Continuo a achar incrível este buraco no tempo em que agora estou aqui, de onde vos escrevo, e neste outro agora estou neste outro aqui, onde me lêem.
Numa frase o tempo desmonta-se e chega a cada um quando chegar o tempo dela chegar. Não é incrível? Eu acho. A escolha de transformar é a própria transformação, é o passo, o único que custará, porque os seguintes descaem como um dominó que sabe onde começou e não tem dúvidas em encostar-se na consequência.
A liberdade é poder. Não nesse sentido. É poder ir ver o ar do outro lado, saber que se pode mesmo ir, sempre. Sempre. Sem desculpas ou exigências. O que me impede a mim de sair de casa, cortar à direita e parar quando estiver cansado? Nada. Querendo, nada.
A mobilidade humana é absolutamente fascinante, nunca consegui escrever ou descrever com competência a admiração que lhe tenho.
Os cordões umbilicais a rebentarem como fogo de artifício jubilante, desgovernados, sem consideração nenhuma por nada nem ninguém a não ser pela vida própria da nossa própria vida.
*Músico