“Os obstáculos são sempre muitos, mas vão surgindo e sendo resolvidos. Diria que o maior obstáculo está sempre na cabeça das pessoas (a quem propomos as ideias). Quando pensamos 'Bora lá fazer isso', mas às vezes o 'isso' não é evidente.
É um diálogo inacabado, constantemente em mudança, em conversa sobre o que pode ou não ser feito. Fora isso é a guerra habitual de todos os festivais, conseguir apoios e etc. Quanto ao que nos motiva, é a nossa missão.
Continuamos, porque é um Festival com uma missão, com pensamento, quer em relação aos artistas quer com a Ilha, com as pessoas e com o público. A missão de unir tudo isto”. Roubo as palavras ao António Pedro Lopes, um dos directores e programadores do Festival Tremor, dos Açores, numa entrevista à VICE.
Como poucos o fazem – se é que alguém, na verdade -, o António escolheu abordar a questão sobre as maiores dificuldades de criar, promover e difundir cultura no País real, pela perspectiva do “obstáculo que está na cabeça das pessoas”.
Financiamentos, apoios e essas coisas, são um “etc”, um dos elementos desta tal coisa de criar, promover e difundir cultura no País real dos 0,8%. Ou seja, depreende-se, com mais ou menos dinheiro, com mais ou menos esgotamentos mentais atrás de patrocinadores e mais ou menos horas de burocracias estatais a roubarem tempo ao pensamento auto-crítico essencial para que [LER_MAIS] quem programa possa efectivamente pensar no que e para quem está a programar, tudo se faz… desde que haja um público predisposto a ver, ouvir, participar, interagir.
Um público que permita que esse “tudo” tenha um sentido e uma repercussão. Já se percebeu que tão depressa não vamos sair desses 0,8%. Já se percebeu que durante algumas horas isso é um problema nacional – mas contra o qual, ainda assim, parece que só vemos Lisboa e Porto nas ruas a protestar.
Já se percebeu que não há nojo que chegue para que os media deste país não mergulhem de cabeça no lodo do futebol, uma e outra vez, sem qualquer réstia de pudor. Já se percebeu que esse “sorvedouro de dinheiro público” chamado cultura, está obviamente a tramar coisas muito mais importantes como, sei lá, construir outros estádios, porque os do Euro já são demasiado século XX, ou apoiar clubes da província e do interior ostracizado, porque “há que dar ao povo o que o povo quer”, “o bailado da bola”… ou das touradas.
Portanto, caros conterrâneos, acarinhem aqueles que, como o António, vão fazendo das tripas coração para vos dar mais. Gente que encontra na utopia e na adrenalina do risco, uma forma de reinventar Leiria.
Exemplos não vos faltam. Pelo menos por enquanto. Não criem obstáculos nas vossas cabeças.
*Editor-in-chief , Vice Portugal