A semana é passada a preparar aulas de educação física, a dar essas mesmas aulas na Escola Secundária de Pombal e, depois, a preparar o treino da equipa de sub-16 do Núcleo de Desporto Amador de Pombal (NDAP), além de todo o apoio dado à formação feminina deste clube.
Em casa, as tarefas também são desgastantes, mas tudo se consegue quando fala mais alto a vontade de entrar dentro das quatro linhas e driblar uma bola.
Cristina Carvalho assume ser a “pseudo-treinadora” da equipa de veteranas do NDAP, que recentemente conquistou a Taça de Portugal do escalão e melhorou também a classificação no campeonato.
Como por vezes acontece nestas equipas veteranas, tudo começou com uma brincadeira, antes da Covid-19. “Fazíamos umas brincadeiras entre treinadores, pais de atletas que jogavam e pais que nunca jogaram. Penso que foi na altura da Covid que isso parou tudo”, lembra, e este fulgor reacendeu-se quando a federação criou a Liga Master masculina.
Cristina Carvalho começou a juntar-se aos treinos dos homens, sem poder competir, e no ano seguinte formou-se a competição para as mulheres. Encontrou a sua oportunidade para regressar às competições e criar um grupo que, como ela, mantivesse o bichinho do basquetebol.
“Sempre dissemos que não poderia haver um compromisso muito forte de quem se metia na equipa, porque todas têm filhos e vidas profissionais e é complicado”, explica.
A solução encontrada foi treinar entre as 21:30 e as 23 horas. “Quando dizemos que o nosso treino é a essa hora, há equipas que dizem: a essa hora nem pensar”.
Dentro deste conjunto, todas compreendem que é importante aquela hora e meia fora do trabalho e da vida familiar, tempo utilizado para desanuviar do stress acumulado, do cansaço e da rotina. “Vendemos a ideia de que o vir ao treino e ao jogo é porque merecemos ter este tempo para nós. No ano passado, começou a criar-se esse espírito. Fazíamos sempre questão, após o treino ou jogo, de criar um momento para estarmos mais tempo juntas. Penso que esse também foi o caminho para termos continuidade”, considera Cristina Carvalho.
Esta professora de educação física fez a sua formação no NDAP e nunca perdeu a ligação ao clube. “O espírito master é diferente. Quando iniciámos, não digo que foi no espírito só de brincar ao basquete, mas quase. Era o tempo para nós, sem stress e sem pressão. Mas, à medida que nos fomos envolvendo, também sentimos necessidade de algo mais. Foi preciso criar rotinas dentro de campo para as masters, ajustadas às características que temos. Já não há velocidade, às vezes achamos que sim, mas não (risos).”
Terceira parte uniu o grupo
Também Ana Nunes aderiu a este desafio, não fosse ela apaixonada pela modalidade. Desde os 11 anos que é amiga de Cristina Carvalho e o percurso das duas é semelhante. Dentro de campo, são chamadas de “migas” (diminutivo para amigas), e são a prova que o desporto é muito mais que a prática de actividade física.
“Joguei basquete durante muitos anos e é algo que me faz muito feliz. Quando surgiu este projecto, nem pensei duas vezes, era voltar a sentir as emoções e o gosto pela modalidade”, afirma.
Dentro de campo é a Cuca, e é também um pilar fundamental para a união do grupo. Todas são. “A terceira parte foi o que nos uniu muito no ano passado, como os jantares depois dos jogos. Infelizmente, para as mulheres, acaba por ser mais difícil.”
Quando chega a hora do treino, confessa que chega a pensar em casa junto da filha. “Ainda tenho de fazer 17 quilómetros para vir treinar e, muitas vezes, penso duas vezes em vir ou não. Mas basta chegar aqui, depois de estarmos cá é óptimo.”
Também Catarina Pimpão reconhece que as responsabilidades levam as mulheres a descurar o lazer. “Óbvio que vir treinar a uma hora destas, num dia de semana, é um desafio muito grande, mas queria vir porque, lá está, como estamos tão sobrecarregadas, fazer uma coisa que fazia na infância é gerar alegria na nossa vida.”
A professora de ioga para crianças, bebés e grávidas reconhece uma evolução incrível na equipa. “No ano passado, treinávamos e ficávamos a semana toda a recuperar desse treino (risos).” Lutam num campeonato renhido, mas sentiram-se bem no jogo da final e conquistaram a Taça de Portugal, que escapou no ano anterior. “É engraçado porque as jogadas continuam na cabeça. O corpo já não reage à mesma velocidade, mas as jogadas estão cá na mesma e tudo se faz”.
A “caçula” do grupo é Mafalda Fontes, que hoje tem 33 anos, e desde pequenina se dedica à modalidade. Na equipa de veteranas, cumpriu o sonho antigo de jogar com as atletas que admirava quando crescia. “Quando descobri que ia poder jogar com as minhas ‘ídolas’, não pensei duas vezes”, conta.
Um dos jogos que mais a marcou não foi a final da Taça, mas sim a meia-final, um jogo muito disputado, com a particularidade de ter dois prolongamentos – algo raro no mundo do basquetebol.
“É duro, mas é o nosso momento. Não tenho filhos nem marido, mas sei que quando estou aqui, estou com as minhas amigas e colegas e aproveitamos o momento, não só o treino, mas também a terceira parte”, resume.
Terminadas as competições, a equipa já está de regresso aos treinos, embora mais leves, e regressará na próxima época para continuar a “brincar” dentro de campo.