“António Casalinho tem já, aos 17 anos, o começo de uma carreira internacional para a qual desejo o maior sucesso.”
Começa assim a mensagem com que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, felicitou o bailarino de Leiria, António Casalinho, pelos dois prémios conquistados no conceituado Prix de Lausanne, Suíça, há duas semanas.
Na semana passada, foi vez de a Assembleia Municipal de Leiria lhe atribuir , unanimemente, um voto de louvor.
Casalinho é uma espécie de bandeira viva de Portugal no mundo da dança e razão de orgulho para o colectivo nacional, mesmo para os que não se interessam por ballet. Se se estivesse a falar de um exemplo mais popular, poder-se-ia dizer que ele é o ‘Ronaldo do ballet’. Felizmente, não fazemos comparações dessas, certos de que a Dança não precisa de tal redução.
Além do jovem natural de Santa Eufémia (Leiria), há outros bailarinos que, não andando nas bocas do mundo, vivem no mundo das pontas, do pas-de-deux e dos pliés, e têm conseguido sucessos assinaláveis em Portugal e no estrangeiro, todos filhos da região.
Damos aqui alguns exemplos de uma lista que, reconhecidamente, peca por defeito.
Bruno Alves, bailarino da Companhia Olga Roriz
A Companhia Olga Roriz é uma das mais conhecidas a nível nacional e é também, desde 2013, uma espécie de segunda casa para Bruno Alves, um bailarino natural da Quinta da Sardinha, concelho de Leiria. Em 2014/2015, participou no aniversário da estrutura artística que, juntamente com a coreógrafa, explica, é “um pilar na sua vida”.
“Têm sido muito importantes no meu crescimento como ‘homem contemporâneo’”, assegura. Aos 40 anos, Bruno é docente no curso profissionalizado da companhia e até tem regressado a Leiria para colaborar com o Leirena Teatro.
Toda a sua vida foi bailarino freelancer e é na arte de estabelecer diálogos e solilóquios, exprimindo-se com o corpo, que se sente realizado, porém, a docência deu-lhe um novo sentido de vida. “É a concretização de tudo aquilo por que trabalho. Há ensinamentos para transmitir a outros. É muito bonito ver o progresso e a paixão pelas coisas que nos edificam como pessoas e artistas.”
Embora a dança e o palco façam parte do quotidiano de Bruno Alves, o bailarino admite que foi um caminho de vida que aconteceu quase por acaso, mas, descortinada a vocação, foi logo agarrada com todas as forças.
No secundário, adivinhava no seu futuro uma carreira ligada talvez ao design ou arquitectura, pelo que seguiu para Artes. A determinado momento, surgiu a oportunidade de se inscrever numa oficina de Expressão Dramática. “Fi-lo porque ouvi dizer que a professora faltava imenso e isso era puro ouro para um adolescente.”
Contudo, a docente, Helena Azevedo, trocou-lhe as voltas. Não só era assídua, como era dedicada.
“Ela tinha formação de dança e começou a fazer alguns exercícios e o meu caminho foi-se desenhando”, recorda. Na Escola Superior de Dança, em Lisboa, o bailarino descobriu que a sua natural gentileza lhe abria portas e simpatias. Ingressou na Amálgama, com quem, ainda hoje, trabalha e onde descobriu uma concepção da arte “profunda, rica e com boas bases”.
“A cumplicidade, a percepção espacial do outro e as emoções, aprendi-as com eles. Ao longo da minha carreira, sempre fui freelancer, sempre me dediquei à dança e sempre tive o apoio dos meus pais e dos amigos.”
O contacto com Olga Roriz aconteceu com a conhecida Sagração da Primavera, onde se juntou a 21 bailarinos para dar corpo a uma das mais conhecidas produções da premiada coreógrafa. Olga e Bruno forjaram uma relação de simpatia desde aí.
A grande senhora da coreografia achava graça àquele jovem de resposta directa e trato fácil da aldeia. Em 2013, Bruno voltara a ser freelancer e ela procurava bailarinos para um novo espectáculo.
Encontraram-se num evento social. Ele meteu conversa. “‘Por que ainda não te candidataste?’, perguntou ela. E eu respondi: ‘porque estou à espera que me chames para ir trabalhar!’ E ela marcou logo uma data na qual eu não podia comparecer porque tinha um trabalho. Disse-lhe que não podia e pedi que remarcasse… E ela remarcou!”
Bruno Alves fez a audição e ficou desde aí ligado à Companhia Olga Roriz. Afirma-se realizado e satisfeito com a carreira que construiu.
“É uma força interior muito grande que torna possível ter uma vida confortável e digna através da arte e da dança.”
João Gomes, bailarino no Teatrul De Balet Sibiu
João Gomes foi o primeiro dos bailarinos do Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez a conseguir uma posição numa companhia de dança fora de fronteiras. Foi em Setembro de 2019 que chegou de malas aviadas ao Teatrul De Balet Sibiu, na cidade de Sibiu, no centro da Roménia.
Entrou para o corpo de baile e começou a construir um currículo que já o fez assumir papéis principais. “À medida que os coreógrafos começaram a ver o meu trabalho, deram-me outros papéis no clássico e no contemporâneo”, conta o jovem de 19 anos, natural de Leiria.
[LER_MAIS]Sabe que, provavelmente, o resto da sua vida e carreira profissional serão feitas fora de Portugal, uma vez que, no nosso País, existem poucas companhias. Falta também ao público português o amor pelas artes que vê noutros países. “A não ser que o Governo dê mais apoios à Cultura…”
O futuro só os deuses o sabem, mas isso não o impede de traçar planos. Vai ficar até Julho de 2021 em Sibiu, onde já se começou a desconfinar e onde já começa a haver apresentações públicas. “Depois, quero iniciar novas audições em outras companhias onde possa crescer mais.
Talvez na Alemanha ou centro da Europa, onde o público se interessa pelo teatro e dança.” Ainda não fala romeno, mas isso não é problema para quem, como ele, domina o inglês e dialoga diariamente com bailarinos de todo o mundo. O contacto permite-lhe aprender com os outros e melhorar a técnica e metodologia pessoais, especialmente em Clássico.
Foi à custa de dedicação e muito à vontade que João ali chegou. Desde muito novo, teve aulas com Annarella Sanchez, esforçou-se, trabalhou, deu sempre tudo e mais um pouco, em actuações que granjearam atenções e amealhou prémios internacionais.
Em 2019, quando se graduou, abordou um dos professores que foi dar um curso à Academia Annarella. Disse-lhe que procurava um trabalho e ele indicou-lhe uma companhia romena “boa e não muito grande, onde se dá oportunidades aos jovens” e onde também era docente.
Contactou o Teatrul De Balet, apresentou-se em Julho e disseram-lhe que se apresentasse em Setembro.
De lá para cá, os dias são passados a perseguir o amor àquela que os antigos numeraram como sendo a segunda de todas as artes, logo após a música.
E tudo começou com um menino que sonhava saltar e voar no palco, como os pássaros no céu.
Matilde Rodrigues, bailarina no Birmingham Royal Ballet
Matilde Rodrigues foi a segunda aluna de Annarella Sanchez a conseguir um lugar numa companhia.
Desde Agosto de 2020, com apenas 18 anos, que fez da Birmingham Royal Ballet (BRB) de Birmingham, no Reino Unido, o seu lar. Dançava na Associação Desportiva e Recreativa Clube Vidigalense (ADRCV), quando começou a ter aulas na Academia Annarella, em Leiria.
Tinha 8 anos e uma única paixão: dançar, de manhã até à noite. Ainda tentou conciliar o Vidigalense e as aulas na academia, mas, rapidamente, deixou de conseguir, devido ao ritmo intenso e disciplina exigidos por Annarella Sanchez.
A mãe, Helena, recorda-se de um espectáculo no Sarau da Cercilei, onde Matilde dançou por ambos. “Foi stressante. Tinha de mudar de fato e de penteado e entrava logo a seguir com o grupo da Annarella, sendo que tinha acabado de dançar pela Associação.
Acabou por optar pela Annarella, porque passados seis meses, ingressou num grupo que tinha um plano de aulas bastante exigente.” Desde que tinha 5 anos que dizia à mãe que queria ir para o ballet e, aos 8, a avó fez-lhe a vontade e a ponte para o primeiro contacto com a professora Annarella. Gostaram imediatamente uma da outra.
“A Matilde sempre adorou o que lá fazia. Mesmo em momentos mais difíceis, estava sempre pronta a nunca desistir, sempre foi muito perseverante”, diz a mãe.
A família apoiou-a nos gastos e nas viagens que fez com a Academia e onde a jovem começou a amealhar prémios. Os ensaios multiplicaramse e a jovem dedicou-se sete dias por semana à dança. A primeira viagem ao estrangeiro que Matilde fez, em 2014 ,aos EUA, tinha 11 anos, também com a avó.
Os bailarinos da escola de Leiria deram nas vistas e começaram a ter exposição mediática. Todos os pais contribuíam como podiam, ajudavam a angariar dinheiro em festivais de sopas, a vender bifanas e doces, num espírito comunitário que, ainda hoje, está bem vivo. Matilde continuou a dançar, passou pelo ensino articulado no Orfeão de Leiria, onde aprendeu a tocar violeta, aprendeu guitarra e apresentava a sua dança em palcos, por todo o lado.
Eventualmente, o destino saiu-lhe ao caminho. “Durante a semi-final do Youth American Grand Prix (YAGP), em Barcelona, em Dezembro de 2019, o subdirector do BRB, após a entrega de prémios, veio ter comigo e convidou- me para uma aud
ição. Em Fevereiro de 2020, recebi o convite para fazer parte da companhia, para ingressar ainda em Abril, antes de fazer 18 anos.
Mas devido à pandemia, a data foi adiada três vezes”, recorda a jovem. Em Agosto do ano passado, Matilde tomou o seu lugar no corpo de baile da companhia britânica, após a obrigatória quarentena. Em Dezembro, ainda fez parte do ballet The Nutcracker – O Quebra-nozes -,mas, em Janeiro, o Reino Unido voltou a confinar e o BRB passou a ensaiar por Zoom.
A bancada da cozinha é a barra improvisada para os exercícios, quando não pode ir à companhia. Neste momento, o seu grande desejo é que tudo volte à normalidade e que os palcos abram. Enquanto isso não acontece, na sua página de Instagramensina os seguidores, entre eles outros bailarinos, a terem uma alimentação cuidada. A
liás, Nutrição é outra das suas paixões e pondera segui-la nos estudos superiores.
“Quem sabe se, daqui a cinco anos, estarei no mesmo sítio com um papel de maior destaque, não como corpo de baile, mas como solista?”
Para já, o BRB quer segurá-la até ao final do ano.
Companhias portuguesas são pequenas
A professora de dança Clara Leão, responsável pela Escola de Dança Clara Leão, a primeira a abrir na cidade de Leiria com um modelo profissionalizado e plano de estudos, reconhece as dificuldades em se conseguir singrar na disciplina a nível profissional em Portugal. Alguns conseguem lugares em projectos como a Amálgama, Olga Roriz ou Vítor Pontes.
“No Clássico, não há espaço, mas no Contemporâneo há muitos artistas independentes. No entanto, nas companhias consagradas, são quase sempre chamados os mesmos, porque os coreógrafos conhecem o seu trabalho e talento”, explica, justificando as razões que levam os jovens artistas a procurar carreiras no estrangeiro. “Cá, as companhias são pequenas e contam já com um núcleo fixo.”
Na Escola de Dança Clara Leão, os professores são antigos alunos que se formaram na Escola Superior de Dança, dedicaram-se por algum tempo a este tipo de expressão artística e, depois, especializaram-se na docência, oficinas e masterclasses.
António Casalinho, vencedor do Prix de Lausanne
Levanta-se todos os dias às 7:30 horas, tem aulas, neste momento online, das 8:30 horas até ao almoço e segue a correr para as aulas de ballet, de carácter, pas-de-deux ou de outras modalidades, até às 19:30 horas. Aos sábados, o trabalho começa às 10:30 e termina pelas 17:30 horas. Ao sétimo dia, descansa.
António Casalinho deve ser o bailarino mais conhecido dos portugueses. Venceu competições internacionais, como o YAGP, e entrou nos lares pela televisão, na versão nacional do Got Talent, em 2017, e, já em 2020, na Batalha dos Jurados.
Há duas semanas, foi o grande vencedor do Prix de Lausanne, o que, definitivamente, lhe escancarou as portas do mundo da dança, a poucos meses de fazer 18 anos. O final do último ano no Conservatório Internacional Annarella Sanchez aproxima-se e, por culpa da pandemia, Casalinho, natural de Santa Eufémia, Leiria, diz que ainda não sabe como vai ser o início da nova temporada, em Setembro.
Aliás, nesta, como noutras coisas o segredo é a alma do negócio. “Não quero ingressar numa companhia e ficar com aulas online, sem ensaios e sem espectáculos.” Se assim for, prefere ficar mais algum tempo em Leiria a aprofundar conhecimentos.
Sabe bem que, no mundo difícil da dança, além da perseverança e da garra, o que conta é a humildade e que, apesar de toda a atenção mediática e reconhecimento que recebeu nos últimos anos, será primeiro um quase anónimo num corpo de baile e, com trabalho e paciência, terá de progredir e marcar uma posição como solista.
Até lá, o seu quotidiano é muito semelhante ao de um atleta de alta competição.
Na Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, onde está a concluir o 12.º ano, é mesmo um dos alunos que pertencem à Unidade de Apoio ao Alto Rendimento. Muito focado e de poucas palavras, conta que a decisão de ir para a dança partiu de si, quando frequentava o 3.º ano do I Ciclo do Ensino Básico e Annarella Sanchez começou a dar aulas às meninas da sua turma.
“Foram elas que nos apresentaram e, na semana seguinte, comecei a dançar.”
A ligação umbilical mantém-se até hoje e Casalinho tem sido, a par do método de trabalho e dos resultados obtidos pela Academia e pelo Conservatório Annarella Sanchez, um dos responsáveis pela fama da escola de dança de Leiria.
Todos os anos, há uma lista de espera de alunos de todo o País e do estrangeiro que pretendem mudar-se para a cidade, apenas para poderem aprender com a bailarina cubana que, há cerca de duas décadas se radicou na cidade do Lis.
Companhia de Ballet Clássico nasce em Leiria
“Além do António Casalinho, também a Laura Viola e o Francisco Gomes, que é irmão do João Gomes, brilharam no Prix de Lausanne e há boas perspectivas para eles, embora, por agora e devido à pandemia, não se possa adiantar muito”, diz Annarella Sanchez, responsável pelo Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez, de Leiria.
A professora conta que, no ano passado, também Anastácia Putkalo, de 17 anos, filha de pais ucranianos radicados na região, integrou o Estúdio 30, da Companhia de Bailado P. Virsky Ukrainian Dance Ensemble.
“Ela estudou connosco desde os 15 anos e foi seleccionada para ingressar naquela companhia. Foi uma entrada facilitada pelo facto de ela ser bilingue. Mas há ainda uma menina da Argentina, que estudou connosco e está na Hungria, e outra, brasileira, que foi para Nova Iorque.”
Durante o próximo ano, a responsável pela academia de dança pretende abrir a Companhia de Ballet Clássico de Leiria e que esta possa ter um ano zero, quem sabe, ainda com Casalinho, Laura Viola e Francisco Gomes no palco, para o arranque.
Será a primeira companhia de ballet clássico a nascer em Leiria.