Nos últimos três anos, pelo menos 13 pescadores morreram em acidentes no mar registados na região. Este número inclui os seis homens que faleceram, depois de, de na passada semana, a traineira onde seguiam se ter virado a menos de dois quilómetros da praia do Samouco, entre São Pedro de Moel e a Vieira, na Marinha Grande. Três das vítimas mortais foram encontradas no dia do naufrágio. As outras três ficaram presas “por debaixo de diversas dornas (recipientes de grandes dimensões), que estavam no convés da embarcação, com os corpos a serem retirados esta quarta-feira, uma semana depois do acidente
As vítimas seguiam a bordo do “Virgem Dolorosa”, que levava um total de 17 pessoas, 11 das quais foram resgatados com vida por embarcações que se encontravam a pescar na zona. Registada na Póvoa do Varzim, a traineira operava a partir da Figueira da Foz, concelho onde residiam todos os tripulantes, 15 de nacionalidade portuguesa e dois indonésios.
O anterior naufrágio com vítimas mortais registado no distrito aconteceu a 19 de Dezembro de 2023, quando uma embarcação de recreio que fazia pesca lúdica se afundou a norte da praia do Salgado, ao regressar ao porto da Nazaré. A bordo seguiam quatro homens. Dois conseguiram salvar-se, nadando até ao areal da praia de São Girão, onde, horas depois, seriam encontrados os corpos das duas vítimas mortais, uma de 72 anos, residente na Marinha Grande, e outra de 67 anos, que morava em Leiria.
Também em 2023, na madrugada de 22 de Fevereiro, dois homens morreram quando pescavam com redes majoeiras (estendidas a pé entre o mar e o areal) na zona do Areeiro, a cerca de dois quilómetros a sul da praia da Vieira. As vítimas eram Carlos Alberto Sapateiro, conhecido como ‘Beto Sapateiro’, bancário reformado que se dedicava à arte xávega e à pesca majoeira, e João da Silva, antigo emigrante em França, então a viver na Vieira.
Meses depois, em Agosto de 2023, um pescador de nacionalidade indonésia faleceu, depois de ter caído ao mar enquanto praticava a actividade a bordo de uma embarcação a cerca de quatro quilómetros a norte do Baleal, em Peniche.
Em Dezembro de 2022, o naufrágio do “Letícia Clara”, embarcação registada em Vila do Conde, fez três mortes. Salvou-se o mestre que terá nadado agarrado a uma boia, durante nove horas, percorrendo cerca de sete quilómetros, até ao areal da praia do Pedrógão.
Embarcações envelhecidas
“A pesca é das actividades com maiores níveis de sinistralidade no mundo do trabalho, desde logo pela instabilidade das plataformas onde trabalhamos, a embarcação em contacto com a água, que acarreta riscos difíceis de prever”, assinala João Delgado, presidente do Conselho de Administração da Mútua dos Pescadores.
O dirigente refere ainda que “muitas” das embarcações têm já uma idade “avançada”, sendo que algumas “já ultrapassaram o tempo de vida útil, mas mantêm-se no activo”. O presidente daquela cooperativa considera “essencial” a existência de apoios à renovação da frota, necessária não só para aumentar a segurança, mas também para “atrair jovens” para um sector “envelhecido”.
“Grande parte dos pescadores tem mais de 55 anos, idade com que se podem reformar por desgaste da profissão. Ora, com o avançar da idade, há mais fadiga acumulada, mais fragilidades físicas e maior probabilidade de acidentes.”
João Paulo Delgado alerta também para a necessidade de “equilibrar” as horas de trabalho com o descanso. “Há segmentos onde apenas se pode trabalhar de madrugada, porque a actividade assim o exige, mas, independentemente disso é preciso assegurar as horas de descanso”, adverte o dirigente, que lamenta a perda de importância “económica, social e, consequentemente, política” que o sector tem vindo a registar em Portugal.
“Desde 1986 [entrada de Portugal na União Europeia], perdemos 60% das nossas embarcações e, no último ano, a balança comercial do sector teve um défice de 1.200 milhões de euros”, exemplifica.