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Numa época onde o individualismo e o conceito de “be all that you can be” degeneraram e resultam numa sociedade cada vez mais dividida e pouco preocupada com o bem-comum e com o bem-estar de todos os seus elementos, ainda há alguns jovens que resistem a voltar as costas à comunidade.
Os Jovens Autarcas são adolescentes interessados pela “vida pública” e em liderar projectos que apoiem os mais novos, os idosos, e que protejam o ambiente e divulguem a cultura. Esta é uma iniciativa destinada a escutar propostas e a promover a participação cívica dos jovens a nível municipal, pela cidadania activa na defesa de direitos e assumir de deveres.
Na região, os municípios de Pombal e Porto de Mós abraçaram esta acção que emula uma eleição autárquica e um mandato, onde os eleitos assumem “cargos municipais”, escutam e sondam outros jovens e propõem iniciativas. Em traços largos, são uma espécie de jovens “presidentes da câmara”, apoiados por “jovens vereadores” e “jovens eleitos municipais”.
Christelle Santos, 15 anos, é aluna na Escola Básica e Secundária de Guia, Pombal, e, desde 30 de Janeiro, é a terceira Jovem Autarca de Pombal a tomar posse. No concelho, têm sido sempre as mulheres a ganhar as eleições. Interessou-se pela iniciativa devido à possibilidade de poder fazer algo em prol do concelho e dos jovens.
Apresentou-se a sufrágio propondo, no seu programa, roteiros artísticos e temáticos por Pombal, cujo objectivo é dar a conhecer aos mais novos o território onde vivem, da serra até ao mar.
“Muitos jovens conhecem apenas o local onde moram e a cidade de Pombal”, refere. Preconizou ainda um ciclo de oficinas com tradições ancestrais nas escolas, destinadas a ensinar artes como a olaria ou os bordados, “para dar a conhecer um pouco da cultura e das tradições”.
“Gostaria de ver alargada a linha Pombus para a praia, uma vez que esta opera apenas na zona de Pombal e não abrange outras zonas do concelho. Gostaria que abrangesse e que fosse um serviço gratuito para eles”, explica.
Christelle sublinha que está ainda a desenvolver outras ideias e que terá, igualmente, de falar com os outros jovens que foram eleitos como autarcas, mas com votações inferiores, os “jovens vereadores”.
A entrada em funções da jovem, que nasceu em França e se mudou para a Guia aos quatro anos, está marcada para Abril e o mandato terá a duração de um ano, durante o qual, terá de gerir um orçamento de cinco mil euros e colocar de pé o seu programa, com o apoio da sua equipa, dos serviços da autarquia e até do presidente da câmara.
O interesse pela res publica, a “coisa pública” dos romanos, foi algo que nasceu dentro de si de forma quase espontânea… “quase”, porque a jovem reconhece o papel da avó, com quem cresceu, na formação da vontade de fazer algo pela comunidade.
“Ao fim de três edições, faço um balanço muito positivo da iniciativa”, diz o presidente da Câmara de Pombal. Pedro Pimpão tem investido muito do seu mandato nesta iniciativa por entender que se trata de uma mais-valia na aproximação dos jovens à actividade política e institucional do concelho, auxiliando-os a perceberem a importância de desempenhar um papel activo na construção da sociedade.
“Tivemos milhares de participações, o que significa que houve uma adesão muito boa da comunidade escolar. Sentiram que as suas ideias eram concretizadas. Os projectos dos jovens autarcas são validados e depois submetidos à votação dos colegas e implementados.”
Desporto, cultura e ambiente, são temas que, para Pedro Pimpão, estes jovens, provenientes dos ensinos básico e secundário, sentem maior necessidade de abordar. “Neste momento das suas vidas, tudo os desperta para estas áreas. O desporto e o bem-estar, porque são muito activos, a cultura e a música, e o ambiente, em virtude dos tempos em que vivemos.”
Até agora, as mulheres lideram e têm conseguido sempre a eleição. “É um dado muito positivo, porque significa que, quando estas jovens mulheres são chamadas a intervir, dizem presente e demonstram que têm um dinamismo grande, e são muito assertivas naquilo que defendem. São verdadeiras líderes.”
O Jovem Presidente da Junta das Meirinhas
Descendo a escala hierárquica das autarquias, ainda no concelho de Pombal, na freguesia das Meirnhas, os jovens também são desafiados a cumprir um mandato, mas como “Jovem Presidente da Junta”.
Nos mandatos anteriores, foram sempre elas a vencer, mas, desta vez, o mandato foi conquistado por um “repetente”. Francisco Rosa Santos candidatou-se pela primeira vez, em 2020, no primeiro ano da iniciativa, quando tinha 13 anos, mas não venceu. Insistiu, insistiu, persistiu e conseguiu ser eleito este ano. Tem 16 anos é estudante no Colégio João de Barros e tomou posse ontem, quarta-feira. O exemplo de casa pesou bastante na vontade do jovem de se candidatar.
Os pais e o avô sempre foram muito interventivos na vida pública e o avô também esteve ligado à política. “A minha mãe faz parte da lista do presidente da Junta de Freguesia das Meirinhas. Sempre senti algo pela política e, há três anos, quando iniciaram este projecto, participei. Fiquei em terceiro, depois segundo e agora em primeiro lugar.”
Nas recentes eleições legislativas, seguiu atentamente os debtes políticos. “O interesse pelo meu País e pelos jovens, é algo que me fascina”, diz, reconhecendo que, até recentemente, não era dada voz aos mais novos. Agora, para o bem e para o mal, as redes sociais vieram ajudar.
No seu programa, apresentou três propostas que lhe valeram a maioria dos votos dos jovens da freguesia. “Em primeiro lugar, quero promover o desporto, através de caminhadas, passeios de bicicleta e eventos. Porque as freguesias promovem desporto, mas normalmente, e quase sempre é para os adultos… São sempre trails e torneios e nunca é para a idade entre os 15 e os 18 anos.”
A segunda proposta passa por manter os jovens informados, organizando sessões de formação sobre diversos temas do seu interesse, actualidade, política, economia ou fake news. A terceira proposta passa pela reabilitação de um campo que existe no Centro de Ocupação à Juventude (COJ), criado na antiga escola primária das Meirinhas por proposta da primeira presidente de Junta, Laura Mota.
“Com o espírito de cooperação das indústrias meirinhenses, queremos tentar reconstruí-lo e colocar um piso sintético.” O orçamento reservado pela autarquia é de cerca de 500 euros.
Francisco Matos: Inclusão, solidão e adopção
Francisco Matos tem apenas 13 anos e vai ser o Jovem Autarca de Porto de Mós em 2024. No início da semana, ficou a saber o resultado da eleição que decorreu em todas as escolas do concelho. Aluno do 7.º ano da Escola Secundária em Porto de Mós conseguiu reunir votos não apenas no estabelecimento de ensino que frequenta, mas ainda noutras escolas do concelho, graças a uma campanha direccionada e a algum poder oratório, apesar de admitir que, nos momentos iniciais de uma conversa, fica sempre um “bocadinho envergonhado”.
“Sempre gostei de participar nestas actividades e, no ano passado, já me tinha candidatado, mas não ganhei. Participei na equipa e pareceu-me que a experiência no cargo de Jovem Autarca deveria ser ainda melhor e decidi recandidatar-me”, recorda.
Convencer os restantes alunos a votarem nele não foi fácil, mas Francisco não desanimou. Fez publicidade nas suas redes sociais, falou com amigos e com outros jovens que não conhecia. “Expliquei as minhas ideias e gostaram”, recorda.
Sentiu que se tratava de uma campanha eleitoral a sério, como a das eleições legislativas, mas com muito mais elevação e espaço para apresentar ideias. Mas o que foi que Francisco colocou no seu programa para convencer os estudantes a elegerem-no? “Gostaria muito que conseguíssemos dotar mais parques do concelho de Porto de Mós, com equipamentos para pessoas com deficiência. Há apenas um ou dois”, afirma.
“Preocupa-me também que os idosos estejam muito sozinhos. Gostaria de criar grupos de voluntários solidários que dessem algum do seu tempo para ajudar a atenuar na solidão dos idosos.” Elege ainda a urgência em organizar campanhas de adopção para animais, de modo a criar vagas para outros bichos abandonados.
Os pais encorajam-no a participar em iniciativas deste tipo. “O meu pai, que também tem algumas ‘veias na política’, sempre gostou muito que eu participasse. Ficaram os dois muito felizes.” A pouca participação dos jovens na vida pública, parece-lhe, prende-se, por um lado, com alguma vergonha e, por outro, com desinteresse ou com a atracção por outros temas que julgam mais importantes.
