"Na região de Leiria, a maior parte da água para consumo humano é captada no subsolo, não dependendo de albufeiras. Nessa zona está localizado um dos mais importantes maciços onde a água tem melhor qualidade e quantidade. Gostávamos que o resto do País tivesse uma situação como a de Leiria", afirma o vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), António Sequeira Ribeiro, contactado pelo JORNAL DE LEIRIA.
Não obstante, o Governo e as autarquias estão a adoptar medidas de redução de consumo de água e a alertar o público para a necessidade de fazer um uso racional do mais precioso dos líquidos.
A APA, no relatório Balanço do Ano Hidrológico 2016/2017 – Disponibilidades Hídricas, identifica a Maceira, nas bacias das Ribeiras do Oeste e do Lis, como crítica e a zona de Pousos-Caranguejeira, na Bacia do Lis, como estando "sob vigilância", no que se refere aos níveis piezométricos, a quota de água disponível nos aquíferos.
Desde Maio que, no caso das águas subterrâneas, houve um aumento das zonas críticas e das zonas em vigilância em todo o País (ver infografia). “Leiria tem uma situação muito melhor do que o resto do País", reforça António Sequeira Ribeiro.
De Abril ao 9.º mês do ano, 2017 foi extremamente seco e o valor médio da temperatura – 27,7º C – foi o mais alto desde 1931. Relativamente à precipitação, todos os valores mensais foram inferiores ao normal, sendo o segundo semestre mais seco desde 1931.
Apesar da oração por chuva pedida aos padres, pelo cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, os céus continuam sem se compadecer com a fé dos homens. A chuva teima em não cair em quantidade suficiente para resolver a seca que foi decretada em Junho deste ano, após, no ano passado, se ter assistido a uma situação semelhante de carestia de precipitação.
Além disso, o Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA) prevê que, nos próximos dias, se continuarão a registar valores de precipitação abaixo do normal. Embora com menos água, situação no Oeste controlada
Depois do flagelo dos fogos, o Governo tem agora um novo problema em mãos e admite que as restrições ao uso de água, aplicadas no Verão aos concelhos mais secos, poderão ser alargadas a todo o País.
Estas restrições vão incidir sobretudo na rega de jardins, no abastecimento de fontes ornamentais e no enchimento de piscinas. Em Outubro, as albufeiras da zona Oeste entraram [LER_MAIS] em situação de vigilância, por apresentarem uma média de volume armazenado de 43,6%, em vez dos “normais” 50,7%.
“A precipitação observada em Outubro é, até ao momento, muito abaixo da média”, refere o relatório apresentado pela APA à Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Contingência para Situações de Seca, a que o JORNAL DE LEIRIA teve acesso.
O documento sublinha ainda que a “situação pode manter-se durante o primeiro trimestre do ano hidrológico”. Fonte da autarquia de Óbidos refere que, mesmo com estes níveis, a barragem de Arnóia, não está a ser usada porque não está concluído o sistema de regadio da albufeira começada a construir em 2005.
A vila muralhada e o concelho são abastecidos por captações próprias e pela albufeira de Castelo de Bode, que serve três milhões de portugueses. “Em Óbidos, não há problemas de abastecimento público de água, mas o município tem vindo a reduzir o consumo de água nos espaços verdes e mantém um plano para novas captações e reactivações de captações já existentes, caso seja necessário, uma vez que o abastecimento em alta é assegurado pela Águas de Lisboa e Vale do Tejo”, garante Humberto Marques, presidente da autarquia.
Ali ao lado, em Peniche, a barragem do Rio de São Domingos, mantém-se também como uma reserva estratégica de água, sendo que a cidade mata a sede nas suas captações e na mesma barragem que o concelho vizinho.
Quercus preocupada com Mata do Urso
Esta é uma situação diferente da verificada na seca de 2005, quando não havia água nas albufeiras e não chovia, mas as reservas subterrâneas estavam boas.
Hoje, contudo, mesmo estas estão a diminuir. "Em 2017, há muito menos água subterrânea do que há 12 anos. E isso é um grande problema que o público deve saber, para mudar os seus hábitos de consumo, porque a recarga dos aquíferos não se faz de um dia para o outro, como numa barragem, onde basta chover com intensidade durante algum tempo e, ao fim de um ano, está cheia", esclarece o vice presidente da APA.
As reservas subterrâneas não são inesgotáveis e, uma vez utilizadas, demoram anos, se não décadas, a recarregar pela acção natural das chuvas e da gravidade. Com a repetição de maus anos hidrológicos, como os que temos assistido desde o início da década, a substituição do precioso líquido demora cada vez mais tempo, levando a que muitos furos e captações comecem a secar.
Leiria ainda não esqueceu o mês de Setembro de 2002, quando a contaminação e infiltração com matéria fecal de terrenos sobre o percurso subterrâneo do Rio Lis, à época a maior fonte de água potável de Leiria, deixou as torneiras secas durante cinco dias e demonstrou a fragilidade e exposição dos cursos de água à poluição da indústria agro-alimentar.
Desde então, a maior parte do concelho passou a beber água captada em profundidade, o que permite maior qualidade e ausência de contaminações. Em 2016, dez anos depois e após 31 milhões de euros de investimento, ficou concluído o sistema de abastecimento de água a Leiria, com a inauguração do Complexo da Mata do Urso.
Três furos naquela zona permitem uma extracção de água anunciada de 6,8 milhões de metros cúbicos/ano. E essa é uma das grandes preocupações da Quercus. O dirigente Domingos Patacho acredita que, sem uma gestão rigorosa do recurso, e sem hábitos de consumo regrados, perante a actual situação hidrológica do País, que pode ser mais permanente do que transitória, "a captação de água no aquífero Leirosa-Monte Real, pode ter impactos na Mata do Urso".
O ambientalista refere que, em 2009, os níveis piezométricos desceram e a própria Administração da Região Hidrográfica do Centro (ARH) confirmou "uma situação de abaixamento do nível freático, com períodos de recuperação", em Setembro desse ano.
Na ocasião, o alerta foi dado porque os Olhos da Ribeira de Nasce Água secaram, situação cuja origem a ARH atribuiu "aos furos e extracção de areia".
Perigo de intrusão salina
A sobre-exploração não é o único perigo que se coloca aos aquíferos junto à linha de costa.
Além da contaminação com substâncias agroquímicas, como fertilizantes e pesticidas – que contaminam águas de superfície e subterrâneas -, quando não existe uma camada de solo impermeável, como a argila, a retirada de água faz com que a pressão no nível freático diminua permitindo que a água do mar atravesse a areia e se dê aquilo a que se chama de "intrusão salina".
Resumidamente, a água potável deixa de o ser, devido ao sal. Para piorar as coisas, como há muitos furos, legais e ilegais, a captar água para uso na agricultura, o mais certo é que, num primeiro momento, os agricultores não se apercebam e usem essa água nas suas culturas, salgando os solos e tornando-os estéreis.
"Na Marinha das Ondas, a própria Celbi, empresa da indústria da celulose e pasta de papel, e naturalmente, um grande utilizador de água, viu recusado um pedido para a criação de grandes captações de água no aquífero Leirosa Monte-Real, o que poderia ter tido consequências se se concretizasse", recorda Domingos Patacho.
O complexo industrial passou a captar água no Mondego, em alternativa.
"Não há um contador para a água subterrânea"
O vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente garante que a salinidade da água não está em cima da mesa, já que esta é analisada antes de ser injectada na rede pública de abastecimento.
"Falo apenas das captações legais. Há captações ilegais onde isto não acontece. Quando atribuímos licenças para novos furos temos em consideração a quantidade de explorações que existem na zona. Neste momento, temos assistido ao avolumar de pedidos para novos furos, vindos dos sectores da agricultura e indústria e muitos têm sido indeferidos", assegura António Sequeira Ribeiro.
O responsável sublinha a dificuldade de monitorização da quantidade total de água no subsolo, dizendo que "não há um contador para a água subterrânea". A APA mede a qualidade e a pressão da água à saída das captações e faz um cálculo aproximado da "saúde" do aquífero.