Agora que parece haver vontade de “recuperar” os excelentes textos de Agustina Bessa-Luís para o mercado dos livros, (re)lancei-me na leitura de romances da “sibilina” autora. Difícil escolher um entre as dezenas de narrativas que escreveu.
Ali, na estante, encontrei “perdidos”, além de A Sibila, que li em tempos, mais dois ou três livros de Agustina e decidi-me pelo que me pareceu mais denso: O Mosteiro. Poderá parecer heresia dizer que se trata de um romance onde as categorias clássicas da narrativa se vêm baralhadas.
De facto, à exceção do espaço – que se concentra no sítio de São Salvador e dominado pela “massa escorialesca” do Mosteiro – e das personagens – que giram em redor de Belchior ou Belche para a família – a ação é difusa saltando com o tempo, de época para época, embora sempre agarrada às mulheres da casa da Teixeira e do seu sobrinho Belche, desenvolvendo-se em avanços e recuos desde os anos 30 até depois da revolução de Abril.
Um dos elementos fortes desta narrativa é, além do protagonista Belche, o elo entre todos os outros pilares da obra, inclusivamente o mosteiro, o narrador (ou deverei dizer a narradora, já que deixa transparecer a sabedoria e a inteligência viva da autora) com as suas profundas reflexões de ordem moral, psicológica, sociológica e política.
Atrevo-me a dizer que é na mente deste narrador (que vejo mais como narradora) que, em forma de monólogo interior, se desenvolve toda a teia da narrativa.
[LER_MAIS] Surpreendente é o papel central que as mulheres desempenham na obra: quer na família da Teixeira ao longo dos tempos, quer na narrativa histórica, que dá grande peso às mulheres de Avis – as megeras, umas e outras.
Escreve Joana E. Marques que “ela foi a escritora que mais profunda e consequentemente retratou o poder das mulheres numa sociedade dominada por homens.”
Notável a construção do romance que, na sombra húmida do Mosteiro, reúne e descreve temas tão díspares como os fortes (ou débeis?) laços de família, a loucura, a sedução, o medo – sendo este o que permite o salto para a história psicopatológica do infeliz rei D. Sebastião, o verdadeiro pícaro português, “aquele rei que desde menino presumiu a glória como a dieta do medo e conservou sempre a obediência à solidão do cavaleiro andante.”
Singular a cerzidura entre os tecidos da família da Teixeira no seu “viveiro” e o tecido de que o infeliz rei nasceu e viveu “deslocando-se sua angústia fóbica”, bem como nos é proposta a criação do mito: “dizem que, nalgum lugar nos desertos da Líbia, existe uma cidade que só pode ser encontrada uma vez e que nunca mais, nunca, se voltará a ver.
É nela que o rei entrou e, se dela saiu, em vão a busca pelos campos montuosos e onde o vento muda os caminhos. Esse tempo errante chamamos nós O Encoberto”.
*Professora
Texto escrito com a nova ortografia