O que é que o Pedrógão, a Vieira, São Pedro de Moel ou a Mina têm que fazem com que haja quem durante anos ou décadas a fio ali passe férias? O mar está, frequentemente revolto e impróprio para mergulhos. As manhãs são, muitas vezes, marcadas pela neblina.
Em alguns casos, a arquitectura é digna de figurar nos manuais como exemplo do que não se deve fazer. O espaço público reclama atenção e faltam programas de animação “consistentes”.
Mas, o que importa isso quando ali se encontram os amigos de sempre ou o melhor peixe grelhado ou ao sal do mundo (…) e arredores? Ou, quando há tradições ancestrais, como a arte xávega, que se mantêm, sobrevivendo à passagem dos anos. Ou quando há – havia – um pinhal com séculos de vida, a abraçar essas estâncias balneares.
Em época de férias, o JORNAL DE LEIRIA foi ouvir o testemunho de quem, há décadas, escolhe praias da nossa região para uns dias de descanso.
Pedro Neves: fiel ao Pedrógão desde que nasceu
Férias são para Pedro Neves sinónimo de Pedrógão, de pescarias, sozinho ou acompanhado ou de caminhadas matinais ao longo da marginal, saboreando a maresia de cada amanhecer. Mas também sinónimo de memórias, muitas e boas memórias, dos dias de brincadeira no areal, em criança, ou das noites de diversão na adolescência e juventude, quando o Pedrogão dava cartas na animação nocturna da região. Mas também das noites de Inverno, passadas à lareira a ouvir histórias, sentado ao colo do avó, que lhe passou o amor “incondicional” a esta praia.
“Para ele, o mar estava sempre bom, mesmo que não estivesse. Fomos crescendo e pensando da mesma maneira”, conta o cineasta de Leiria, que faz férias no Pedrógão desde que nasceu, há 41 anos, seguindo uma tradição familiar iniciada pelo bisavô e continuada pelo avô e pelo pai.
Em criança, assim que acabavam as aulas, mudavam-se de malas e bagagens para a praia e aí ficavam até o regresso à escola. Na juventude, a rotina só era quebrada, durante alguns dias, para ir a um festival de Verão ou passar uns dias na costa alentejana.
Radicado no Porto desde os 18 anos, Pedro Neves mantém-se fiel ao Pedrógão, para onde corre sempre que pode. “Do que é que gosto? Não é, com certeza, da arquitectura. Quando começamos numa praia, afeiçoamo-nos. Ficamos felizes quando há um bom dia de praia e resignamo- nos quando os dias sãos maus”, diz.
É também aqui que, garante, encontra “o melhor peixe grelhado, o do Manuel [Quiaios], e melhor robalo ao sal, o do Vítor [Santos, do restaurante Rotunda]”.
O extenso areal, quase a perder de vista, a tradição da pesca e da arte xávega, e limpeza da praia são outros dos atractivos que aponta ao Pedrogão.
Mas, não se pense que o amor e a ligação que Pedro Neves tem ao Pedrógão, a única estância balnear do concelho de Leiria, lhe toldam a clarividência e o impedem de ver os aspectos menos positivos, com a arquitectura à cabeça.
“Gostava que não se deixasse construir tudo o que se quer. O Pedrógão não tem uma identidade própria. Facilmente se descaracteriza”, nota o cineasta, que lamenta a tendência para se fazer deste “um sítio popularucho”, com “falta de gosto”, o que se reflecte não só na arquitectura, mas também no espaço público e em alguns estabelecimentos comerciais.
“Há falta de brio. Por exemplo, não existe uma única árvore em todo o Pedrógão. Só existem uns arbustos e depois o pinhal, que está como está. Também não há um programa de animação mais sustentado ao longo do Verão. Tenho dificuldade em perceber a actual confusão de eventos”, aponta Pedro Neves, para quem, apesar de todos os senões, “não há praia como a do Pedrógão”. “É aí que tenho muitas das minhas memórias, da família e dos amigos. E é aí que regresso sempre que posso.”
Amélia do Vale: A “envolvência” selvagem da Praia da Mina
A relação de Amélia do Vale com a Mina começou há 20 anos, quando se deixou seduzir pela “envolvência selvagem” desta praia do concelho de Alcobaça. Não sendo particularmente apreciadora de “banhos de sol e de areia”, diz que prefere disfrutar da natureza que a zona lhe proporciona.
“Gosto das dunas, das rochas e da vegetação que agora vejo a renascer das cinzas. Encantam-me as toutinegras e os melros que habitam por lá durante todo ano e as andorinhas que no Verão aparecem”, descreve a professora, agora aposentada. Há ainda o mar, “um imenso e misterioso mar, algumas vezes tão calmo como um lago, mas a maior parte das vezes com ondas capazes de todos os anos construírem um areal diferente”.
“Gosto de sentir, por causa da ausência das infra-estruturas com que os humanos invadem as praias, o labor cíclico através do qual, ano após ano, a natureza se constrói”, acrescenta Amélia do Vale, que realça ainda o prazer que retira quando, nas noites de luar, vê “o rebentar das ondas na areia”.
Ou quando nos dias frios de Inverno”, sente a agressividade do vento e dá consigo “a rezar para que, perante o poder imenso da natureza, nenhuma desgraça aconteça aos pescadores que adivinho a trabalhar naquelas luzinhas distantes no alto mar”.
[LER_MAIS] E, claro, há o sol. Não aquele que bronzeia os corpos expostos na praia, mas o sol que “desaparece no mar”. “Sei que para outros ele está a nascer e isso reconforta-me ao perdê-lo”, explica.
“Definitivamente a praia da Mina faz-me olhar o antropocentrismo como uma doutrina filosófica ridícula e sem sentido. Contrariamente, torname uma fervorosa seguidora do ecocentrismo. Lá, sinto-me natureza.”
Mas nem tudo é perfeito na praia de eleição de Amélia do Vale, que lamenta a “proliferação de eucaliptos que, aos pouco, vão ocupando as matas daquela orla marítima”, e o “desrespeito pela natureza de muitos humanos, que se vê no lixo que chega vindo do mar à praia e na forma como abandonam os lixos do lado de fora dos postos de recolha”.
“O que mais me aborrece é, de facto, o comportamento humano e as consequências que tem na natureza.”
José e Lurdes Oliveira: De Braga a São Pedro… há 35 anos
A primeira vez que José e Lurdes Oliveira, ouviram falar de São Pedro de Moel foi há cerca de 40 anos, por intermédio de um camionista seu vizinho, em Braga, que “costumava vir buscar tijolo à região”.
“Certo dia, a estrada por onde habitualmente ia estava cortada e ele teve de fazer um desvio. Acabou por passar em São Pedro de Moel. Falou-me de uma praia muito bonita, perto da Marinha Grande”. A dica funcionou e o casal acabaria por vir ver que praia era essa praia. Foi, diz José Oliveira, “amor à primeira vista”.
O casario típico e a praia protegida pelas rochas e abraçada pelo pinhal cativaram- no desde logo. Já lá vão 35 anos. Foi em São Pedro que dois dos seus sete filhos conheceram as actuais mulheres. E foi também em São Pedro que José, hoje com 75 anos, fez alguns dos seus melhores amigos.
E é, sobretudo, por eles que continua a vir, mesmo que o avançar dos anos já faça sentir no corpo o cansaço da viagem entre Braga e a Marinha Grande. Mesmo que o casario que, tanto o encantou na primeira vez que chegou à praia, se tenha degradado – “embora nos últimos anos se tenham registado reabilitações interessantes”.
Mesmo que o parque de campismo do Inatel, casa de sempre da família Oliveira em São Pedro, já “não tenha a condições de outros tempos”. E, “o pior de tudo”, que o Pinhal de Leiria esteja hoje reduzido a cinzas.
“Chateia-me muito ver a mata assim. Está uma desgraça e já não a voltarei a ver com o esplendor que tinha. Talvez os meus netos possa ter essa sorte”, diz José Oliveira.
Mas, mesmo que o pinhal demore a renascer ou que “as pernas” já sintam dificuldade em fazer o percurso que separa o parque de campismo e a praia, como nota Lurdes Oliveira, este casal de Braga asseguram que continuarão fiéis a São Pedro de Moel. “Quando não vier para esta praia, não irei para mais nenhuma”, afiança José Oliveira.
Família Almeida: Vieira “é uma praia amigável”
Foi há quase de 20 anos que Armando e Graça Almeida pisaram, pela primeira vez, o areal da Vieira. O filho Daniel tinha “dois ou três anos”. Residentes em Viseu, vieram a conselho de um amigo, que já era fiel à praia, e ficaram fãs, sobretudo da relação entre o mar o Pinhal de Leiria e da afabilidade da população local.
“As pessoas são muito sociáveis e acolhedoras”, diz Graça. O filho completa: “É uma praia amigável”. Anos mais tarde, as sucessivas notícias de descargas poluentes na ribeira dos Milagres e de eventuais repercussões na qualidade da água do Lis, que desagua na Vieira, acabariam por afastar a família desta praia.
Experimentaram outras, mas as memórias “inesquecíveis” que guardavam dos Verões na costa da região, associadas à “pressão” do filho, que, durante os anos em que estudou em Rio Maior, fez vários amigos residentes na Vieira, acabariam por os trazer de novo a esta praia.
Além do “tratamento acolhedor” das pessoas, destacam a proximidade com outras estâncias balneares “bonitas” e a tradição da arte xávega. “Sou um grande apreciador de património, não só do edificado, mas também das tradições. E ver os barcos a entrar no areal, os pescadores a puxar as redes e depois a partilhar o peixe… É encantador”, diz Fernando.
O pinhal era outro dos motivos de atracção. Era… porque agora “está uma desgraça”. “Foi uma dor de alma confrontar-me com esta realidade. Ver na televisão é uma coisa, mas ver com os nossos próprios olhos… Não há palavras”, desabafa, admitindo que chegou a ponderar não vir este ano.
O que os fez, então, mudar de opinião? “O facto de o nosso filho ter cá os amigos e de querer vir”, responde Graça. A essa razão, o marido acrescenta uma outra: “os amigos que aqui fizemos ao longo dos anos e as pessoas que sempre nos trataram bem”.
E, embora a Vieira “não seja a mesmo sem o pinhal”, não estão arrependidos da decisão, apesar de lamentar o facto de, este ano, o “areal estar mais sujo” e de se notar “alguma falta de limpeza” nas ruas.
Fernanda Cabaço: Alentejana fã da Vieira
Foi também a conselho de um casal amigo que Fernanda Cabaço, residente em Fortios, concelho de Portalegre, descobriu a Praia da Vieira. Já lá vão 13 anos. Habitualmente, vem em Julho ou em Setembro e diz gostar, sobretudo, da “calma” e da “tranquilidade”, que este ano não notou tanto por ter vindo em Agosto.
“Há mais movimento, mas nada que se compare à confusão do Algarve que não suporto”, confessa a mulher que o JORNAL DE LEIRIA encontrou na marginal da Vieira, a caminho de mais uma tarde de praia, acompanhada do marido e das duas filhas e do namorado de uma delas.
“Hoje o mar até não está mau, mas é, de facto, o que menos gostamos na praia”, admite, que aponta ainda a “instabilidade” das condições atmosféricas como outro dos aspectos mais negativos.
“À noite fica frio. De manhã, há neblina e já apanhámos chuva. Tudo o resto é impecável, a começar pelas pessoas”, acrescenta esta veraneante, que sublinha ainda a proximidade da zona habitacional à praia.
“Paramos o carro quando chegámos e já não lhe mexemos mais até irmos embora. É muito tranquilo. Para agitação, já nos basta o dia-a-dia”, diz contando que este ano encontrou quatro famílias da aldeia de natal na Praia da Vieira. “A palavra vai passando… Um dia destes, os Fortios mudam-se para cá”, brinca.
Luís Miguel Morna: Fiel a São Pedro há 58 anos
Também a relação de Luís Miguel Morna com São Pedro de Moel começou, tal como a de Pedro Neves com o Pedrógão, quando nasceu, há 58 anos, precisamente naquela que se tem mantido sempre como a sua praia de eleição. Aí viveu até aos sete anos e aí regressa, ano após ano, para as férias em família.
“Não temos mar manso nem água quente, mas temos uma tranquilidade que não encontramos em muitos sítios. Mesmo no Verão, não há muita gente”, começa por dizer o gestor, que reconhece que São Pedro de Moel estão agora “mais triste”.
A culpa é do incêndio que, em Outubro último, destruiu o Pinhal de Leiria, onde gostava de dar passeios de bicicleta. Também a povoação perdeu, no seu entender, algum do encanto que fazia desta uma praia especial.
“Nos últimos anos, São Pedro degradou- se muito. Perdeu qualidade como praia”, alega. Fala, por exemplo, do cenário “desolador” do antigo complexo de piscinas, mas também da “falta de cuidado e de conservação” do mobiliário urbano ou do sistema de abastecimento de água, que se encontra “completamente obsoleto”.
Esta “falta de atenção e de visão” contrasta, segundo diz, com “a disciplina urbanística” que a Câmara da Marinha Grande “sempre teve” com São Pedro de Moel, “não permitindo que a traça característica” da praia se desvirtuasse.
“Esta é, de facto, uma das grandes mais-valias desta praia, conferindo-lhe uma rara beleza”, afirma Luís Miguel Morna, que destaca ainda a papel positivo que Miguel Murilo tem desempenhado, através da escola de surf, na dinamização da praia.
“O surf e o bodyboard são mais um atractivo. Tenho dois sobrinhos que vêm propositadamente de Lisboa para ter aulas”, conta, reconhecendo, contudo, que isso não é suficiente para fixar os mais jovens na praia.
“Há muitas famílias que, quando os filhos atingem uma determinada idade, acabam por deixar São Pedro, porque não há actividades para os mais jovens, ao contrário do que acontecia há uns anos”. Mas, apesar do lamento com que olha para o estado actual da sua praia de sempre, continua-lhe fiel. “São Pedro de Moel está a passar um mau bocado, mas ainda mantém o seu encanto.”
Olegário Silva: Pedrógão “ainda tem os seus encantos”
A frase com que Luís Miguel Morna termina o seu testemunho sobre São Pedro de Moel, adapta-se, que nem uma luva, àquilo que sente Olegário Silva em relação à Praia do Pedrógão, que frequenta, ininterruptamente, há 43 anos.
Tinha acabado de regressar da sua última comissão em África, quando um camarada da Base Aérea de Monte Real lhe falou da praia, que “era muito rica em iodo”.
Experimentou e nunca deixou de ir. Quando os filhos eram pequenos, partiam assim que terminavam as aulas e ficavam durante os três meses de férias. “Era uma praia fantástica, com um areal enorme. Ideal para famílias. Organizávamos brincadeiras e jogos para a criançada, com o apoio da GNR e dos comerciantes locais”, recorda Olegário, de 77 anos.
E, já não é uma praia “fantástica”? “É difícil responder, sobretudo para quem tem uma ligação tão próxima com a praia. Está mais arranjada. Quando começámos a vir, não havia marginal e os acessos à praia eram muito precários. Mas hoje temos muitas casas devolutas e faltam alguns equipamentos”, frisa, lamentando que o Pedrogão não tenha um hotel ou uma piscina.
Faltam também, diz, actividades que segurem os mais jovens na praia. “A partir das 20 horas, o Pedrógão começa a morrer. Os cafés fecham, já não há discotecas e a juventude foge daqui. Sei que alguns gostam que assim seja. Eu não”, afirma, recordando os tempos quando havia “filas intermináveis” para entrar no parque de campismo ou “quase não se rompia” no mercado.
“Gostava mais da praia com essa animação, mas ainda tem os seus encantos. Ainda há muitas outras coisas que me fazem gostar do Pedrógão, principalmente os amigos. Também gosto muito de ver a arte xávega, que ainda dá vida à praia. E o cheiro a maresia, que não encontro em mais lado algum.”