Meu Caro Zé,
Escrevo-te ainda antes do Natal, mas a “carta” só chegará entre o Natal e o Ano Novo, num contexto que entendo não poder esquecer, até porque sei que tu não esqueces.
Quando pensava no que te queria dizer, dei de caras com umas notas que sempre faço sobre todos os livros que leio, neste caso Confissão de um Assassino, um livro de Joseph Roth, austríaco e judeu (estes adjetivos são só para melhor se entender o ambiente à época em que o livro foi escrito, ou seja, 1936) que, a certa altura, escreve: “Por vezes, parece-nos que Deus favoreceu os europeus, embora eles não acreditem Nele. Mas talvez não acreditem Nele, apenas porque Ele lhes deu tanto. E tornaram-se presunçosos e acreditaram ser eles próprios os criadores do mundo, estando, ainda assim, descontentes com ele, muito embora, segundo julgam, sejam eles os responsáveis por tudo quanto nele ocorre.”
Vão mais de 80 anos sobre estas palavras e veja-se o que é que aconteceu aos europeus, entretanto, a começar pela guerra sangrenta que rebentou logo a seguir a estas palavras e à perda de “alma” da Europa a que agora assistimos, embora a vamos encontrar no âmago de outros povos menos presunçosos, nos quais o Mundo ainda pode ter esperança.
Entretanto, outras palavras do mesmo Joseph Roth caem como espada afiada sobre os dias de hoje:“Só muito mais tarde aprendi que as palavras são mais poderosas que as ações. Costumo rir quando ouço esta frase recorrente: 'ações em vez de palavras'. Quão débeis são as ações! Uma palavra perdura, ao passo que uma ação perece. Até um cão pode realizar uma ação, mas apenas um Homem pode criar uma palavra”.
É claro que estas palavras são contestáveis, [LER_MAIS] porque as ações com seriedade, dedicação e amor perduram, bem mais do que se julga e, diz o povo, “palavras levaas o vento”.
Por outro lado, se o cão não pode criar uma palavra, o “robot” e a “inteligência artificial”, porventura, o poderão fazer, numa ameaça vital àquilo que Roth, no fundo, considerava a singularidade do Homem.
Mas, por outro lado, tem razão no que se passa hoje: veja-se o efeito das “fake news”, agora perdurando ainda mais por via das “famosas” redes sociais, conduzindo, frequentemente, a ações que jamais deveriam ter existido.
“Fake news” são a palavra corrompida que ilude a Verdade. A Verdade que nós próprios procuramos iludir dentro de nós mesmos. Como escreveu Rebecca Solnit (2015): “Erigimos um muro entre nós próprios e a aniquilação e o horror por vezes isola-nos da própria vida! E a vida é o outro, o esquecido, o desamparado, o sem nome, com quem não se pode trocar presentes, porque não têm para dar. E o Natal (já nos esquecemos?) é o nascimento de Alguém que veio trazer uma mensagem de “Paz na Terra aos homens de boa vontade!”.
Somos desses? Um Santo Natal!
Professor universitário
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990