A viver nas Cortes, a trabalhar na Marinha Grande e com um filho a estudar em Leiria, Lígia Oliveira passou os primeiros dias deste ano lectivo a “experimentar caminhos”, para contornar as filas de trânsito. Saía de casa cada vez mais cedo e, mesmo assim, não conseguia evitar que o filho chegasse atrasado às aulas.
“Cheguei a demorar 45 minuos”, conta a professora, que acabou por se render à utilização do IC36. Entra no nó das Cortes, segue até ao Alto Vieiro, onde apanha a A19, saindo no nó da estrada da Marinha Grande, para deixar o filho na Escola Secundária Domingos Sequeira, rumando depois ao seu local de trabalho.
Ao final do dia, faz o percurso inverso. “São 0,90 cêntimos de portagem por dia, mas poupo combustível, porque não ando no pára-arranca”, alega Lígia Oliveira.
Menos sorte tem José Silva, que reside na Boa Vista e que trabalha no Alto Vieiro, por não conseguir fugir às filas que quase diariamente se formam no IC2.
“A partir das 8 horas da manhã, temos trânsito em passo de caracol desde o Retail Park até primeira rotunda [entrada norte] da Boa Vista. O pior é na rotunda sul e no cruzamento junto à Ferrus. Chegam a formar-se filas de seis quilómetros”, conta o automobilista, para quem o transporte público “não é alternativa”.
“O Mobilis não chega à Boa Vista. Teria de apanhar uma carreira inter-urbana, até à cidade e depois apanhar outra para os Parceiros ou Azoia e fazer o resto do percurso a pé”, justifica
Pagar pelos erros do passado
Quem também não está isento de problemas, mesmo vivendo dentro da cidade, é Sandra Gaspar, que reside na Quinta de Santo António e que tem uma filha a estudar na EB 2,3 D. Dinis.
“Ainda não consigo deixá-la ir de autocarro. Prefiro ir um pouco mais cedo para o trabalho e levá-la comigo. Teria sempre de usar o carro”, diz a funcionária pública, que trabalha na Batalha e costuma enfrentar “engarrafamento” no cruzamento junto à câmara e depois na rotunda D. Dinis.
“Não lembra a ninguém construir três escolas num mesmo sítio. É um erro do passado, com consequências no presente e no futuro.” “A cidade está a ficar pequena para tanta gente”, constata Lígia Oliveira, que defende a aposta em estratégias concertadas, que passem pelo reforço dos transportes públicos e pela mudança de hábitos.
Especialista em mobilidade, João Pedro Silva aponta, precisamente, o “comportamento humano” como a variável “mais complicada” e, simultaneamente, como a “mais decisiva” na resolução dos problemas de trânsito que Leiria já apresenta. Apesar de, na sua opinião, a situação não ser ainda “caótica”, é preciso actuar para evitar que a bola de neve cresça.
“Ainda temos os problemas concentrados em alguns pontos da cidade e em curtos períodos de tempo, ao início da manhã e ao final dia. Mas, se nada fizermos, com o crescimento actual da população, a situação irá agravar-se”, antevê o docente do Politécnico de Leiria, que defende a necessidade de actuar em várias frentes, com acções “concertadas e coordenadas”.
Retirar carros e manter as pessoas
Admitindo que, face às características do território, o automóvel “é a única alternativa para muitas pessoas” do concelho, por ser “incomportável ter o serviço público de transportes a passar em todas as aldeias”, João Pedro Silva considera necessário “disciplinar” a entrada de carros na cidade.
No seu entender, são precisas medidas de gestão do estacionamento, com aumento de preço das zonas tarifadas e o reforço da oferta de parques periféricos. “Queremos retirar viaturas da cidade, mas não pessoas, de forma a que Leiria continue a crescer e mantenha a sua competitividade económica”, defende.
De facto, o aumento populacional tem sido apontado pelos responsáveis autárquicos como uma das principiais razões para o agravamento dos problemas de trânsito na cidade.
O presidente da câmara fala em “dores de crescimento”, para as quais o município está à procura de remédio, sendo que, em alguns casos, já existe prescrição, com projectos e medidas a implementar no curto e médio prazo, garante o vereador Luís Lopes, responsável pelos pelouros da Mobilidade e Transportes Públicos.
“Vamos aumentar o número de pessoas no concelho e na cidade. E isso significará mais tempos de espera. Mas estamos a trabalhar em soluções, que vão ser implementadas o tão rápido quanto possível”, assegura o autarca, frisando que é preciso adaptar as soluções ao espaço público numa cidade onde “não é possível tornar as avenidas mais largas” e é difícil criar corredores bus “sem que isso signifique condicionamentos de circulação”.
Reforço do Mobilis em andamento
Reconhecendo a necessidade de melhorar os transportes públicos, Luís Lopes revela que, no âmbito do novo concurso, “a lançar este mês”, o Mobilis “vai crescer em termos de capacidade de transporte e número de linhas”.
O vereador avança ao JORNAL DE LEIRIA que está previsto reforço de algumas linhas (1, 2 e 9), com mais viaturas e/ou com autocarros maiores e a criação de uma linha “dedicada”, que fará a ligação entre os parques periféricos – Olhalvas e estádio e, futuramente, o de Porto Moniz – e o centro da cidade.
Em cima da mesa, está também a hipótese de este transporte ser “tendencialmente gratuito ou com uma tarifa mais baixa”, para quem use o Mobilis nos períodos de maior sobrecarga de trânsito, ou seja, ao início da manhã e ao final da tarde, explica Luís Lopes, adiantando que as alterações deverão entrar em funcionamento “no final de 2024 ou início de 2025”.
Ainda sem prazo de execução, estão os dois novos parque de estacionamento de apoio à cidade e ao centro histórico, a criar junto à rotunda de D. Dinis (Porto Moniz) e à variante dos Capuchos.
No primeiro caso, associadas ao parque estão alterações à configuração de trânsito naquela zona, com a construção de uma segunda rotunda para ajudar a “distribuir o trânsito”, e de um interface, a criar entre a escola D. Dinis e o posto de combustível, dedicado, sobretudo, ao transporte escolar.
“Funcionará como uma placa giratória entre o futuro terminal rodoviário [a construir junto ao estádio] e esta zona da cidade, onde temos as escolas”, adianta Luís Lopes.
Segundo o vereador, está também a ser equacionada a adopção de tecnologia que permita que os sistemas semafóricos funcionem em função dos fluxos de tráfego. “Se determinada faixa se encontra mais congestionada, fica mais tempo verde”, exemplifica.
Nova circular em estudo
A ligação entre Leiria e a Marinha Grande, que envolve diariamente a circulação de cerca de 15 mil viaturas, é um dos principais focos de congestionamento de trânsito.
João Pedro Silva não tem dúvidas de que um metro ligeiro seria “a solução”, sendo que, no imediato, é necessário implementar a ligação directa de autocarro entre as duas cidades. A medida tem arranque previsto para o início de 2024, com o serviço a ligar os estádios de Leiria e da Marinha Grande através da A8.
Segundo Luís Lopes, está também prevista uma nova via circular, a ligar a EN242, na zona da Barosa, e a EN109, que poderá ainda ter ligação ao IC2, “perto da Zicofa ou mais a norte”, em articulação com o projecto da alta velocidade. “Isto é projectar a cidade para daqui a 15 ou 20 anos”, afirma o vereador, que acredita que esta nova circular retirará muitos carros da EN242.
Essa é também a convicção de Álvaro Madureira, vereador da oposição que abordou o assunto na reunião de executiva de terça-feira, lembrando que a circular está contemplada em PDM.
O autarca da oposição reconheceu que se trata de uma obra “gigantesca”, mas que deve ser “uma prioridade” para os próximos orçamentos do município. Com o “apoio da Administração Central, a construção da variante tem de avançar”, defendeu.
Mas, como este será sempre um projecto a médio prazo, o vereador da Mobilidade e Transportes Públicos considera que a isenção de portagens na A8 e no IC36 “resolveria 30 a 40% dos problemas de trânsito”.
“A estratégia está definida e contempla várias frentes, mas as coisas não se mudam num ano, nem em dois ou cinco”, conclui Luís Lopes, que aponta as pessoas e os seus comportamentos como um factor “crucial”.
Bicicletas partilhadas avançam no primeiro trimestre de 2024
O sistema municipal de bicicletas partilhadas de Leiria vai entrar em funcionamento no primeiro trimestre do próximo ano. Financiado em 85% por fundos comunitários, o investimento ronda os 740 mil euros (acrescidos de IVA) e inclui a aquisição de 150 bicicletas eléctricas, 20 docas e equipamento de carregamento. O sistema será de utilização gratuita. “É, sem dúvida, uma excelente alternativa, mas o seu sucesso depende de as pessoas quererem ou não alterar os seus modos de mobilidade”, sublinha o vereador Luís Lopes. O regulamento, ainda em fase de elaboração, prevê que uma parte das bicicletas seja entregue, por um período máximo de seis meses renováveis, a um utilizador, enquanto as outras destinam-se a usos ocasionais. As docas serão instaladas junto às escolas e a edifícios de serviços públicos, no hospital, no LeiriaShopping e no campus 2 do Politécnico de Leiria. Em relação às trotinetas, existem pedidos de três empresas para a instalação do serviço na cidade, mas, para já, a opção da câmara passa por não conceder autorizações. “Estamos a retardar a entrada em funcionamento das operadoras, porque entendemos que não estão ainda reunidas as condições, nomeadamente, os mecanismos de controlo para a sua correcta utilização”, alega o autarca, assumindo que faltam também ciclovias em áreas onde o uso de trotinetas pode ser potenciado.