Na memória de alguns dos moradores de Alqueidão da Serra, daqueles que foram ficando, permanecem ainda recordações do grande incêndio que há 28 anos dizimou grande parte da mancha florestal da freguesia. “Ardeu praticamente toda. E nunca mais se recuperou”, conta Miguel Santos, de 37 anos.
Nas encostas que ladeiam as aldeias, encravadas entre áreas florestais, crescem matagais, pinhal e eucaliptal desordenado. Há ainda zonas de carvalhal e olivais ao abandono. No sopé subsistem alguns, poucos, terrenos cultivados e muitos invadidos por silvas. A falta de cuidado é tal que Miguel Santos está convencido que, “se houver um incêndio, vai ser um desastre grande”.
Nascido e criado na freguesia, este engenheiro do ambiente é um dos principais impulsionadores de um projecto que quer fazer de Alqueidão da Serra, de novo, um território produtivo e ordenado, através de uma Área de Gestão Integrada da Paisagem (AGIP), um programa criado pelo Governo para pôr ordem no mundo rural e que na região abrange seis territórios (ver caixa).
No caso de Alqueidão da Serra, a AGIP integra a totalidade da freguesia. São cerca de 2.200 hectares, grande parte em risco “muito elevado” de incêndio. “Temos oportunidade de fazer diferente: apostar na prevenção e tentar aproximar as pessoas do mundo rural”, afirma Filipe Batista, presidente da junta, que reconhece que o caminho “não será fácil”.
Os primeiros passos de um trabalho que Miguel Santos antevê “monstruoso” estão já a ser dados, com sessões de esclarecimento com a população, que servem também para iniciar o processo de identificação dos proprietários, um dos “grandes obstáculos” do processo, numa freguesia “retalhada em pequenos pedacinhos”. É que, apesar de em Alqueidão da Serra – e no restante concelho de Porto de Mós – já haver cadastro, muitas das propriedades estão registadas no nome de pessoas que já morreram. “Tem de se encontrar uma solução, através, por exemplo, da publicação de editais para que, nos casos em que não se identifique o dono, a entidade gestora da AGIP possa ficar com poder para gerir a propriedade”, avança Miguel Santos, membro da Assembleia de Freguesia. O autarca preside também à associação de caça local, que recentemente executou a limpeza de 25 hectares de pinhal e de matagais, no âmbito de uma candidatura ao Programa de Desenvolvimento Rural (PDR2020). Foi, aliás, a partir dessa experiência e do “gosto pessoal pelo mundo rural”, que desenvolveu o projecto da AGIP, com Francisco Cordovil, professor catedrático do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, com ligações familiares a Alqueidão da Serra, terra natal da esposa.
Dar o exemplo nos baldios
Para inspirar “confiança” e “servir de exemplo”, o presidente da junta admite iniciar o projecto nos baldios que são geridos pela autarquia e que, reconhece, “não estão nas devidas condições”. “Temos de dar o exemplo. Se as pessoas virem os benefícios, poderão aderir mais facilmente”, diz o autarca, reconhecendo que esta pode ser uma vantagem, atendendo a que os terrenos da junta representam aproximadamente um terço do território da freguesia.
O que se planeia com este programa a 25 anos é dar aos particulares um rendimento que os convença a não abandonar ou até regressar à terra. Miguel Santos explica que serão definidas “unidades de paisagem, integrando terrenos baldios e privados”, nas quais haverá intervenções que “melhorem a resiliência do território contra os incêndios”, com limpeza e reflorestação. Os proprietários poderão optar por executar a acção, sendo “pagos para isso”, ou transferir a gestão para a AGIP.
Aprovadas 70 candidaturas no País
Gerir floresta em zonas de minifúndio
A Área de Gestão Integrada da Paisagem (AGIP) é um instrumento criado com a finalidade de promover a gestão e exploração comum dos espaços agro-florestais em zonas de minifúndio e de elevado risco de incêndio. A constituição de uma AGIP pode ser proposta por autarquias (juntas de freguesia ou municípios), organizações de produtores florestais e agrícolas, cooperativas, associações locais, entidades gestoras de baldios, organismos de investimento colectivo e organizações não governamentais.
As AGIP têm acesso a financiamento para apoio à transformação da floresta no longo prazo, através da reconversão de culturas e acções que promovam “a valorização e revitalização do território”. A nível nacional estão aprovadas 70 AGIP, seis das quais localizadas na região de Leiria. Além de Alqueidão da Serra, foram validadas as AGIP de Ribeira de Alge e do Lapão, em Pedrógão Grande, de Aguda e dos Baldios de Alge e Lugares Anexos, em Figueiró dos Vinhos, e Serras do Norte de Ourém que envolve parte das freguesias de Espite, Urqueira e da União de Freguesias de Rio de Couros e Casal dos Bernardos.