A subida da temperatura da água está a prejudicar a produção e o bem-estar de algumas espécies de peixes produzidos em aquacultura, como robalos e douradas.
Um pescador, um biólogo e um empresário da região de Leiria falam ao nosso jornal sobre o impacto das alterações climáticas – que também já é visível nos peixes que crescem em ambiente natural – e exemplificam, com o projecto-piloto de Peniche, como se podem controlar condições para melhorar a saúde e a qualidade das espécies, oferecendo maior segurança alimentar ao consumidor.[LER_MAIS]
Recentemente, o Jornal de Negócios citava a pesquisa desenvolvida por investigadores de Portugal e da Escócia, que concluíram que o impacto das alterações climáticas já se está a sentir na aquacultura e pode vir a “alterar profundamente” a produção e o bem-estar de robalos e douradas criados em tanques ou jaulas flutuantes em Portugal e Espanha.
João Saraiva, da Universidade do Algarve, um dos autores do capítulo Bem-estar dos peixes cultivados em jaulas no contexto das alterações climáticas, da série Doenças de peixes cultivados em jaulas, salientava que “nos sistemas de cultivo em jaulas em mar aberto, há parâmetros da qualidade e composição da água que ‘não se conseguem controlar’ e que estão (e irão) sofrer alterações”.
Além disso, alertava, “fenómenos climáticos extremos de temperatura, tempestades ou furacões também se vão tornar mais frequentes, atingindo regiões onde não eram habituais, o que trará desafios à indústria”.
Sérgio Leandro, biólogo e director da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, tem o mesmo entendimento. Explica ao JORNAL DE LERIA que, no Algarve e em Aveiro, são usados espaços, em antigas salinas, para produção de peixe em aquacultura. Contudo, “a temperatura da água tem vindo a aumentar, causando mal-estar nos peixes que passam a ter menos oxigénio disponível, o que interfere no seu crescimento e saúde. São condições que não se conseguem controlar em tanques abertos”.
Pelo que, defende, “o futuro passa por aquacultura em circuito fechado, que permite controlar a temperatura e a qualidade da água, oxigénio, parasitas, e obter mais qualidade na produção do pescado”.
Na nossa região, dá como bom exemplo a maternidade de bivalves da Nazaré, criada pela Oceano Fresco, que, em circuito fechado, produz sementes de bivalves. E realça ainda o projecto-piloto, que está a ser desenvolvido na Smart Ocean de Peniche, pela empresa SEAentia, que recorre a tecnologia inovadora para produzir corvina, também em condições controladas. E salienta que as alterações climáticas terão impacto em todo o pescado e não apenas aquele que se produz em aquacultura.
“Com a subida da temperatura do mar na nossa costa, algumas espécies vão migrar para águas mais frias. E vamos passar a ter aqui espécies mais tropicais, que antes só existiam na Madeira”, exemplifica o biólogo.
Embora realce que a pesca tem ciclos próprios, “com alguma carga de aleatoriedade”, havendo anos em que determinada espécie deixa de ser frequente na nossa costa, para voltar a abundar anos depois, João Paulo Delgado, presidente da Mútua dos Pescadores, reconhece que é necessário realizar um estudo, capaz de verificar tendências ao longo de uma década.
Porque, nalguns anos, quando a temperatura da água do mar atinge valores muito altos, como sucedeu no Verão passado, espécies como o atum, que usualmente preferem águas mais quentes, foram avistados em várias praias de Portugal continental, tendo sido um deles capturado na Praia da Vieira, exemplifica.
João Rito é biólogo e é também um dos sócios-fundadores da SEAentia, que está desenvolver um projecto pioneiro a nível mundial, em Peniche, que consiste na produção de corvina, de forma sustentável, utilizando o sistema RAS (Recirculation Aquaculture System), já usado no Norte da Europa, mas aplicado noutras espécies, como o salmão.
Explica que esta produção da corvina é feita em terra, em tanques que utilizam água do mar, reciclada todos os dias, num circuito fechado que permite limpar bactérias, verificar a temperatura da água, níveis de oxigénio e PH e até a luminosidade.
O objectivo é “replicar as condições óptimas” em que a corvina se desenvolve em ambiente natural, num ambiente artificial onde se obtenha “bem -estar e mais resistência do peixe, que resulte num produto com mais qualidade e valor nutricional”, salienta.
Também ele entende que o futuro da aquacultura passa por tecnologia deste género, que salvaguarde as espécies das mudanças climáticas, das micro-algas tóxicas e reduzam a sua ingestão de micro-plástico.