O diploma aprovado em Abril alargou este ano lectivo o projecto de autonomia e flexibilidade curricular (PAFC) a todas as escolas, embora com carácter facultativo. Até agora, o modelo tinha sido aplicado em regime de projecto-piloto em 225 estabelecimentos de ensino, entre os quais os Agrupamentos de Escolas (AE) de Colmeias, D. Dinis e o Colégio D. Dinis, em Leiria, os AE da Batalha e da Marinha Grande Nascente, Colégio João de Barros, em Pombal, e Instituto Educativo do Juncal, em Porto de Mós.
O modelo de autonomia, que terá de começar a ser aplicado nos anos iniciais de cada ciclo de escolaridade (1.º. 5.º, 7.º e 10.º anos), permite que as escolas passem a gerir 25% da carga horária semanal dos seus alunos, podendo fundir disciplinas cuja matéria se repete – como História e Geografia -, levando a que dois ou mais professores possam trabalhar em conjunto na preparação das aulas.
Passou a ser possível criar novas disciplinas (oferta lectiva complementar) e funcionar com períodos de multidisciplinaridade, desenvolvendo trabalho prático ou experimental com recurso a desdobramento de turmas e até organizar o funcionamento das disciplinas de um modo trimestral ou semestral.
Nos cursos científico-humanístico do secundário passou a ser permitido permutar uma das disciplinas bienais e/ou uma das anuais da formação específica por disciplinas de um curso diferente do frequentado pelo aluno. Foram introduzidas as áreas de Complemento à Educação Artística, Cidadania e Desenvolvimento e Tecnologias de Informação e Comunicação.
Nas escolas onde o PAFC está já a ser aplicado o balanço é positivo e os directores já não querem voltar atrás, mesmo admitindo que as dificuldades são muitas. O AE das Colmeias foi um dos projecto-piloto que aderiu a este modelo, que será debatido no Teatro José Lúcio da Silva, no próximo dia 11 de Setembro, no IX Fórum Educação, organizado pela Câmara de Leiria, com o apoio do JORNAL DE LEIRIA.
O director Fernando Elias salienta que “um bom ambiente escolar e de sala de aula é fundamental para a aprendizagem” e o PAFC “permitiu articular temas dos interesses dos alunos mobilizando disciplinas, saberes e aprendizagens essenciais para desenvolver vários projectos propostos pelos próprios alunos”.
Por exemplo, nos 2.º e 3.º ciclos, “disciplinas como Cidadania e Desenvolvimento, Formação Integral do Aluno e também a preparação e concretização dos Domínios de Autonomia Curricular permitiram que os alunos, com alguma orientação, pesquisassem, elaborassem trabalhos de forma individual, em pares ou grupo e que os apresentassem aos colegas”.
Fernando Elias constata que foi “notório um aumento de confiança, de segurança e de espírito crítico”. “O PAFC permitiu o aprofundamento, a consolidação e a avaliação do currículo claro e focado, o desenvolvimento das áreas de competências definidas no Perfil do Aluno, a promoção de dinâmicas pedagógicas, que valorizam e integram num 'todo' os projectos de desenvolvimento educativo existentes, ou a criar, centradas no aluno e nas aprendizagens significativas e a transversalidade e integração de saberes e de valores, propiciando o diálogo entre a comunidade e a escola”, explica Fernando Elias, destacando o “exercício efectivo de uma cidadania activa, centrada em contextos sociais relevantes”.
O director considera que este modelo permite assumir as aprendizagens essenciais “não como aprendizagens mínimas, mas antes como estruturantes do currículo a desenvolver e a aprender”. Desta forma, há uma “tentativa de combater as dificuldades sentidas por todos os actores educativos no que diz respeito à extensão dos programas e à complexidade das metas curriculares”.
Para Fernando Elias, o PAFC valoriza a “avaliação como um instrumento ao serviço de melhores aprendizagens, por oposição à avaliação sumativa centrada nos conhecimentos”. A avaliação deixa de parte apenas a memorização, destacando a “capacidade de análise, produção de conhecimento, resolução colaborativa de problemas”.
Com o modelo de flexibilização é possível “construir um perfil de aluno humanista, mobilizando valores e competências que lhes permitam intervir na vida nas sociedades, tomar decisões livres e fundamentadas sobre questões naturais, sociais e éticas, e dispor de uma capacidade de participação cívica, activa, consciente e responsável”.
Também Cesário Silva, director do Agrupamento de Escolas Marinha Grande Poente, um dos seis estabelecimentos de ensino escolhidos para integrar o Projeto-Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP), evidencia o papel da flexibilidade e autonomia dada às escolas na motivação dos estudantes.
“É uma forma de autonomizar os alunos, mas também de responsabilizá- los. É importante deixá-los decidir, orientando-os e, se houver um impasse ou erro, temos de questionálos. O objectivo é que reflictam e encontrem soluções para o problema.
Há uma aprendizagem pelo erro e uma valorização, porque o importante é ultrapassar o obstáculo”, explica Cesário Silva.
Aluno no centro do processo de ensino
Fernando Elias realça ainda o papel do aluno que surge no “centro do processo de ensino e aprendizagem”, assumindo “um papel activo na concretização das aprendizagens e uma maior consciencialização da sua intervenção neste processo”.
Por seu lado, os professores funcionam em “equipa pedagógica, planificam em conjunto e regularmente a organização dos conteúdos e das metodologias, investindo na flexibilização dos espaços, da constituição dos [LER_MAIS] grupos de alunos e dos tempos de trabalho com os alunos, que articulam em função dos conteúdos e das metodologias previstas”.
Os métodos utilizados “visam potenciar a curiosidade, a criatividade, a autonomia e o gosto por aprender, por meio do desenvolvimento de trabalho autónomo, de desafios para resolução de problemas e de trabalho por projecto”.
Há uma combinação “de trabalho individual e de trabalho cooperativo”, assegurando “a articulação com as inteligências múltiplas” e a “integração dos recursos tecnológicos como ferramentas de trabalho”.
A autonomia e flexibilidade curricular “ajudam a repensar epistemologicamente a escola. A nossa experiência no projecto-piloto deu-nos claramente esta certeza”, garante o director das Colmeias.
“Porquê? Porque considera a diversidade dos alunos, o contexto local, almeja ao sucesso para todos, 'revoga' as metas (de quem todos se queixavam) e apresenta um referente comum: as aprendizagens essenciais”, acrescenta, lembrando que esta era uma das críticas de professores, pais e alunos face à extensão dos programas e à complexidade das metas.
Fernando Elias avança que o “projecto de autonomia e flexibilidade curricular não impõe nem proíbe nada. “No exercício da sua autonomia cada um toma as suas opções, de acordo com o contexto e com os seus alunos e comunidade.” A organização curricular prevista “não secundariza áreas do saber”.
“Todas as áreas são valorizadas, sendo de destacar o reforço das artes, a introdução da área de cidadania, associada às ciências sociais e o reforço de TIC”, diz o director. Cesário Silva e Fernando Elias lamentam que os currículos tenham “vindo a engordar” e defendem que se tenha em conta o Perfil do Aluno e as aprendizagens essenciais.
“Trabalhar algumas disciplinas de forma integrada pode levar-nos a ganhar tempo, potenciando os alunos”, destaca o director do AE Marinha Grande Poente, que este ano vai introduzir a flexibilidade no 10.º ano. “Temos de perceber como operacionalizar os programas de natureza transversal e é isso que estamos a desenhar no currículo no secundário, que deve ir ao encontro das expectativas dos alunos.”
Cesário Silva acrescenta que um dos objectivos é potenciar processos que permitam “estabelecer pontes com a comunidade”, incentivando, por exemplo, o voluntariado. Para este director, “há que dotar os alunos de competências transversais dando-lhes ferramentas necessárias”.
Autonomia no 1.º ciclo
Deolinda Bento é professora do 1.º ciclo no Agrupamento de Escolas de Marrazes e concorda com a flexibilidade curricular, admitindo que neste ciclo a transdisciplinaridade já obriga os docentes a alguma flexibilidade curricular.
No entanto, considera que os programas são extensos, o que dificulta o processo. “Se não conseguirmos dar a matéria toda temos sempre de justificar a razão.” Aplaudindo a introdução de novos projectos no 1.º ciclo, como a robótica, Deolinda Bento alerta contudo para o facto de ir “roubar” tempo ao conteúdo programático.
“Mas há matéria que podemos cruzar com as disciplinas, como por exemplo a noção de espaço incluída no Estudo do Meio.” Esta docente considera ainda que os “próprios manuais não estão adequados a esta flexibilidade”, defendendo os livros digitais.
“Depois é preciso consolidar as aprendizagens essenciais, o desenvolvimento pessoal e a autonomia, e não temos tempo para tudo. Mesmo a nível cognitivo os programas estão desajustados da idade e desenvolvimento das crianças”, assume.
Deolinda Bento é, no entanto, apologista da flexibilidade curricular e autonomia, mas apela para que sejam dados recursos materiais aos professores para gerir o tempo e as disciplinas de acordo com as aprendizagens dos alunos.
“Se uma criança já sabe dividir, porque vou continuar a insistir nesta matéria com ele só porque está no programa?, exemplifica.
Também Fernando Elias defende mais recursos para as escolas, nomeadamente a renovação do parque informático e da rede de internet, assim como “reapetrechar as escolas com equipamentos que permitam criar soluções eficazes de reorganização de espaços escolares, como as denominadas salas do futuro”.
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foi o número de agrupamentos de escolas e colégios com contrato de associação no distrito de Leiria, que aplicaram o projecto de autonomia e flexibilidade curricular em regime de projecto-piloto: Agrupamentos de Escolas de Colmeias, D. Dinis, Batalha e Marinha Grande Nascente, e os Colégios João de Barros e D. Dinis e o Instituto Educativo do Juncal