No último ano, foram efectuadas no distrito 125 acções de inspecção na área ambiental, das quais resultaram 74 processos de contra- -ordenação, sendo que apenas um foi finalizado com a aplicação de uma coima de 1.500 euros.
Já no ano anterior, houve quatro multas, em 37 processos instaurados pela Inspecção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), no valor total de 5.650 euros.
Os dados distritais acompanham o que se passa a nível nacional. No último ano, de acordo com dados recentemente divulgados pelo jornal Público, o número de processos de contra-ordenação por incumprimento de legislação ou autorizações ambientais mais do que triplicou, passando de 519, em 2016, para 1.634, em 2017. O valor das coimas, esse, duplicou, rondando quase 12,9 milhões de euro no último ano.
Só que, o aumento do número de processos e dos montantes das contra-ordenações não significa que os infractores apanhados venham mesmo a sofrer as consequências desses actos. É que, muitos dos processos levantados são impugnados em tribunal, acabando, não raras vezes, em absolvições ou na redução de penas.
Segundo o último relatório da IGAMAOT, referente a 2016, citado pelo jornal digital Observador, cerca de 32,7% dos processos de impugnação resultam em absolvições, enquanto 13,3% deram origem a admoestações (avisos). Os dados revelam ainda que mais de metade das coimas aplicadas foi reduzida por decisão do tribunal.
[LER_MAIS] “No que diz respeito às sentenças judiciais, estamos ainda muito longe daquilo que sentimos ser a necessidade de proteger os bens ambientais”, reconheceu recentemente João Matos Rosa, ministro do Ambiente, citado pelo jornal Público.
Considerando que as consequências da violação dos valores ambientais “não são devidamente percepcionadas” pelos tribunais, o governante pede “mais sensibilidade” ao poder judicial para este tipo de crimes, lamentando que “muitas” multas de 30, 40 ou 50 mil euros sejam “transformadas pelos tribunais, após recurso, em 1500 euros” ou em “doações de 500 euros para os bombeiros voluntários locais”.
Também Rui Crespo, porta-voz da Comissão de Defesa do Ambiente e da Ribeira dos Milagres, defende que é preciso “mais mão firme” no que toca aos crimes ambientais. O dirigente dá como exemplo o que se passa na bacia do Lis, onde algumas das denúncias apresentadas nos últimos anos por descargas poluentes chegaram à barra do tribunal, mas “não deram em nada” ou as penas foram, “de tal forma leves, que há suinicultores que afirmam publicamente que preferem pagar as multas do que os tratamentos”.
“O crime continua a compensar. Não se percebe como é que se pode continuar, impunemente, a poluir e a prejudicar o meio ambiente e a saúde pública”, afirma Rui Crespo, para quem é fundamental haver penas “exemplares”, como a coima recentemente aplicada a uma agro-pecuária com actividade no distrito, condenada pela Agência Portuguesa do Ambiente ao pagamento de uma multa de 800 mil euros e ao encerramento de duas explorações por descargas ilegais.
Contudo, a decisão ainda não é definitiva, havendo a possibilidade de recurso por parte da empresa (ver caixa). “Com 800 mil euros, já se pensa duas vezes antes de persistir nesses procedimentos”, nota o ambientalista.
Crimes de “elevada complexidade técnica”
Aos dados que apontam para taxas de absolvição de 32% nos processos por atentados contra o ambiente e de redução das coimas em mais de metade das sentenças, João Branco, presidente da Direcção Nacional da associação ambientalista Quercus, junta um outro: “Mais de 50% dos crimes ambientais nunca chegam aos tribunais”, acabando por morrer na fase de investigação.
Para o ambientalista, há várias razões que contribuem para o fracasso dos processos. Uma delas prende-se com a própria natureza da prevaricação. “A obtenção de prova é muito difícil. Vejam-se os casos do Tejo ou até do Lis. Toda a gente sabe de onde vem a poluição, mas não se consegue provar”, reconhece o dirigente da Quercus, admitindo que pode também haver “um problema de formação dos agentes fiscalizadores”.
Especialista em direito público e ambiente, José Moreira da Silva nota que, neste tipo de crime, exige- se que a recolha de provas seja “rápida e imediata”, porque “a situação de poluição dissipa-se em pouco tempo”.
Ora, frisa o jurista, muitas vezes, “falta capacidade” às entidades públicas com competência nesta área para agirem dessa forma, “com agentes em número suficiente e devidamente formados para que, em tempo oportuno, as amostras sejam recolhidas sem estarem contaminadas e levadas para laboratórios certificados”.
Quando os casos chegam a julgamento, continuam as dificuldades. “São crimes de elevada complexidade técnica e científica, muitas vezes relacionados com fenómenos biológicos e químicos, e os magistrados não estão preparados a esse nível para avaliar as situações”, alega João Branco, contando que já esteve em julgamentos “em que se notava claramente que os juízes não dominavam os assuntos e isso teve influência na decisão final”.
“Mesmo que estejam sensibilizados para os temas de natureza ambiental, se não tiverem apoio técnico, os juízes não vão conseguir tomar decisões bem fundamentadas”, alega o ambientalista.
A experiência profissional de José Moreira da Silva diz-lhe que os juízes estão, “cada vez mais, sensibilizados e preparados para estas matérias” e que o problema se encontra a montante dos tribunais. Ou seja, ainda na fase de instrução dos processos por parte da administração pública, nomeadamente, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), da IGAMAOT e de outras entidades com competência na área.
“Há dificuldade desses organismos em levarem por diante, de forma correcta, toda a análise do sucedido e dos factos e apresentarem os processos devidamente instruídos. Muitas vezes, faltam provas. Avança-se com análises conclusivas e não factuais”, alega aquele especialista em direito público e ambiente.
No seu entender, “é forçoso” que, neste tipo de crimes, “em vez de se olhar para os tribunais, se olhe para a administração pública, que não tem meios humanos, financeiros e técnicos para que possam ter sucesso na sua intervenção”.
Quercus defende brigada para crimes ambientais
“Para que o crime ambiental, os crimes contra a natureza e todas as actividades para o ambiente sejam exemplarmente julgadas”, a associação ambientalista Quercus defende a criação de uma brigada ou de um grupo especial na Procuradoria-Geral da República dedicado aos crimes ambientais, à semelhança do que já existe para a área económica e da corrupção.
“É necessário criar uma equipa especializada em crimes ambientais, sem a qual o Ministério Público não terá capacidade para acusar correctamente nem os tribunais conseguirão ajuizar convenientemente”, defende João Branco o presidente da Direcção Nacional da Quercus, considerando que só dessa forma se poderá inverter a situação de “quase impunidade” que se verifica sempre que há violação dos diplomas da área ambiental e de conservação da natureza”.
Especialista em direito público e ambiente, José Moreira da Silva discorda da proposta, frisando que este tipo de processos dependem de entidades da administração pública, como a Agência Portuguesa do Ambiente e a Inspecção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, que fazem a instrução dos processo, “e não do Ministério Público nem de polícias criminais”.
Pelo que, defende, o caminho passará sobretudo por dotar essas entidades de “maior capacidade de actuação”, que lhes permita intervir, “de forma rápida e imediata” na recolha de prova. “Infelizmente, na prática, a legislação ambiental ainda é encarada como leis de segunda categoria, em que o desrespeito pelo ambiente ainda continua a ser visto pela população como actos menores ou de baixa relevância social”, acrescenta ainda João Branco.
Deixou 10 mil pessoas sem água mas foi absolvida
Cerca de dez mil pessoas do concelho de Porto de Mós ficaram, durante três dias, sem água da rede pública, devido à contaminação de uma captação.
No decorrer das investigações foram constituídos arguidos a Pecuário Santo António do Tojal e o seu proprietário que, na primeira instância, foram condenados a pagar uma indemnização à Câmara no valor de 45.328 euros e de multas que totalizaram 16.200 euros. No entanto, os arguidos acabam absolvidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra por questões de formalismo processual.
No início deste mês, o Tribunal de Leiria condenou uma suinicultura pelo encaminhamento de efluentes para a ribeira do Babasco, um afluente da ribeira dos Milagres, com o juiz a considerar que houve lugar à prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave.
O tribunal aplicou, no entanto, a coima mínima de 24 mil euros, que pode ser reduzida para seis mil, se exploração executar medidas de redução do risco de descarga. Por seu lado, o gerente da sociedade foi absolvido.
Também já este ano, a Agropecuária Valinho, empresa com sede em Santarém que detém uma unidade em Caldas da Rainha, foi condenada pela Agência Portuguesa do Ambiente ao pagamento de uma multa de 800 mil euros e ao encerramento de duas das suas explorações, onde se inclui uma pecuária localizada em Vale do Corvo, naquele concelho do Sul do distrito. Em causa estão descargas ilegais em linhas de água, encontrando-se o processo em fase de recurso.