Tendo em conta a aproximação da discussão do Orçamento do Estado para 2022, a AHRESP apelou aos Grupos Parlamentares para colocarem na sua agenda a discussão e defesa da redução do IVA nos serviços de alimentação e bebidas para a taxa reduzida (6%). Está confiante que vai haver acolhimento a esta proposta?
Não sabemos se vai haver acolhimento. A nossa missão é tentar convencer quem pode contemplar esta medida de que ela é urgente, útil e necessária para estes sectores de actividade. Não nos cansamos de dizer que esta medida poderia ajudar a reter tesouraria nas empresas, que é algo de que precisam muito, porque todas as expectativas que tínhamos há dois meses de que o Verão poderia ser bom indicador da retoma não estão a verificar-se. Em Agosto beneficiamos do turismo interno, mas o internacional continua com muitas limitações, por isso a descida do IVA revela-se como medida essencial, não só pela questão da tesouraria, mas por outra muito importante que é a manutenção do emprego. Ontem [dia 11 de Agosto] voltámos a falar da pertinência desta medida porque saíram dados do INE que nos dizem que voltámos a perder postos de trabalho com grande gravidade. Perdemos 32.400 postos de trabalho no segundo trimestre de 2021 em comparação com o período homólogo, no qual já estávamos em crise, daí a gravidade dos números.
A descida do IVA é uma medida reclamada também por outra entidades…
Todas as confederações europeias dos sectores da hotelaria e restauração têm pedido para se baixar o imposto, nem que seja de forma temporária, que é o que a AHRESP também está a solicitar, para permitir manter mais postos de trabalho. Está mais do que provado que a medida consegue ajudar a manter empregos. Muitos foram os Estados-membros que de imediato baixaram o IVA de forma temporária. O que estamos a solicitar não é inédito e está comprovado que a medida se torna eficaz nestas duas vertentes: retenção de tesouraria e, com isso, maior folga para manter postos de trabalho.
No início de 2020, antes da pandemia, estes sectores já sentiam dificuldade em recrutar. Com esta perda de emprego a dificuldade vai agravar-se…
Parece um bocadinho estranho, mas sim. Estamos a perder postos de trabalho, mas as empresas que precisam de contratar, por força da sazonalidade, não conseguem. Por um lado, estamos a perder postos de trabalho, mas por outro temos dificuldades em contratar. Como é que isto se explica? Do nosso ponto de vista tem uma explicação lógica. Muitos destes trabalhadores foram à procura de emprego noutros sectores de actividade e acabaram por fica. Até porque, como sabemos, quer o alojamento quer a restauração são áreas difíceis, porque trabalhamos 24 horas, sábados, domingos e feriados, quando outros estão em lazer nós estamos a trabalhar. Não somos os únicos, é um facto, mas são sectores difíceis e as pessoas aproveitaram a inactividade para procurar outros locais para trabalhar e acabaram por ficar. Há também muita gente que está a receber subsídio de desemprego e não quer voltar ao trabalho, outras procuraram áreas que permitem teletrabalho, que é mais confortável, e agora não querem mudar os hábitos que adquiriram ao longo destes meses.
O problema poderá intensificar-se?
Já sinalizámos esta problemática, porque estamos convencidos que ela se vai agravar. Vamos a seguir ter uma época tradicionalmente baixa, que nos está a preocupar muito, não sabemos o que vai acontecer, porque os apoios são muito escassos, para não dizer quase nenhuns, e portanto não sabemos como as empresas se vão aguentar, mas as que aguentarem vão ter este problema da contratação. Já pedimos uma reunião à senhora ministra do trabalho, porque este tema já era muito preocupante antes da pandemia e provavelmente vai continuar a sê-lo se não tomarmos medidas e não se fizer planeamento nem acções de dignificação das profissões do sector do turismo. Na AHRESP não descansaremos enquanto as famílias portuguesas não desejarem que os seus filhos enveredem por estas profissões, o que não é ainda uma realidade. Quando se pergunta a um pai ou a uma mãe o que querem que o filho seja, é raríssimo ouvirmos que querem que seja empregado de mesa. Estas profissões são tão ou mais dignas do que outras quaisquer, e precisamos de fazer este esforço de valorização.
A descida do IVA é um dos pontos do plano que a AHRESP fez chegar ao Governo, sob o mote Garantir a sobrevivência. Já têm feedback do executivo?
Infelizmente não temos [dia 12 de Agosto] notícias do Governo relativamente a este plano de sobrevivência que contém dez medidas muito concretas que pensamos que devem ser implementadas se queremos salvar as empresas que existem e manter os postos de trabalho que asseguram. Esse plano assenta em seis áreas de intervenção prioritárias: liquidez, porque as empresas precisam de liquidez; incentivos ao consumo – é verdade que o Governo criou um programa com este objectivo, o IVAucher, mas este não é suficientemente massificado e alargado, do ponto de vista das empresas não é apetecível, embora tenha havido um esforço constante do Governo para ir limando e resolvendo os problemas que a AHRESP foi identificando. Fizemos chegar ao Governo outras propostas que do nosso ponto de vista seriam mais rápidas e eficientes, como aconteceu no Reino Unido, em que o consumidor tinha um desconto directo e automático na refeição.
[LER_MAIS] Quais as outras áreas de intervenção prioritárias?
O plano de sobrevivência que entregámos contempla ainda o financiamento, a fiscalidade, o emprego e a qualificação. Como disse, não tivemos ainda reação do Governo, mas vamos insistir, porque se nada for feito chegamos ao final do Verão e entramos numa época de Inverno em que as empresas não vão ter qualquer almofada e será muito difícil aguentarem. Precisamos de pôr estas medidas em prática, porque basicamente só temos apoio à manutenção do emprego, com o programa de retoma progressiva, e o lay-off para as empresas ainda encerradas, mas é muito pouco. Também há as moratórias e a questão da recapitalização, mas é tudo muito lento, ainda não sabemos exactamente quais as condições em que as empresas podem beneficiar destes apoios. É tudo muito complexo para este tecido de micro empresas. É muito difícil, não estamos a ver medidas concretas que possam ajudar estas empresas e por isso vamos continuar a insistir com o Governo para nos dar resposta a muitas das questões e propostas que apresentámos.
O Governo reforçou com mais 10 milhões de euros a linha de apoio às micro e pequenas empresas de turismo, para minimizar o impacto da Covid-19 na sua actividade. É suficiente?
Atendendo aos danos que esta pandemia está a provocar nos nossos sectores, não é suficiente, tudo é muito pouco. Estas empresas estão muito endividadas, porque basicamente o Estado português decidiu desde o início apostar muito em linhas de apoio que criam endividamento atrás de endividamento, ao contrário do que a AHRESP foi dizendo, sempre solicitou apoios a fundo perdido, como outros países fizeram. O apoio a fundo perdido veio tarde e com complexidade e entraves. Primeiro não contemplava empresários em nome individual, depois contemplava mas tinham de ter trabalhadores a cargo, depois já não era preciso… Tudo isto foi acumulando meses e meses de dificuldades. Estamos numa situação muito difícil, com uma dimensão enorme. Julgo que seria expectativa do Governo que neste momento já estivéssemos a crescer e em plena retoma, e portanto terminou com praticamente todos os apoios. Estamos à espera de apoios que vêm do plano Reactivar o Turismo, mas a verdade é que nada aparece. E todos os constrangimentos de acesso aos estabelecimentos obviamente também afastam as pessoas. Percebemos que a pandemia não acabou e temos de ter regras e cuidados, mas a verdade é que tudo isto tem impacto negativo na facturação das empresas. Nós não somos peritos nem temos epidemiologistas na AHRESP, tudo o que tem a ver com saúde pública cabe a quem tem essa especialidade. O Governo tem de tomar as decisões com base na tecnicidade e naquilo que lhe é transmitido pelos peritos. Agora, uma coisa sabemos: todas estas medidas que vão sendo aplicadas aos sectores têm impactos na sua facturação. Isto tem de ser compensado e este equilíbrio é que foi muito mal conseguido, por isso é que temos empresas em dificuldades. Tememos o pior e a nossa missão é criar condições para tentar salvar a maioria das empresas e precisamos que o Governo nos ajude, implementando as medidas que sinalizámos.
Os programas Apoiar.pt e Apoiar Restauração já não estão em vigor…
Não, excepto para a animação nocturna, que está encerrada. Esses apoios foram mantidos e até majorados para este sector, mas mesmo assim é tudo insuficiente. Estamos a falar de empresas que estão encerradas desde Março de 2020 sem facturarem nada e com encargos todos os dias. O facto de serem apoiadas com o lay-off não significa que não tenham de suportar parte dos custos. É impensável que as empresas tenham tesouraria para fazer face a estes custos. É evidente que a medida é bem vinda, foi pedida pela AHRESP, havia necessidade de continuar a apoiar a fundo perdido estas empresas, mas é insuficiente. O que pedimos é que se olhe não só para a vertente da tesouraria, da liquidez, mas também para outras áreas que possam ajudar estas empresas a sobreviver. Para falarmos de futuro, temos de aguentar as empresas no presente. Não nos cabe a nós, como disse, contestar medidas de carácter sanitário. O Governo é que sabe quando tem condições para ir abrindo a economia, mas tem de compensar. E este equilíbrio não é conseguido. Por isso assistimos a dados do INE dizendo que se perderam 32.400 postos de trabalho. E quantas e quantas empresas não encerraram já? Os encerramentos são silenciosos. Uma empresa encerra e ponto final. Há muitos fechos a acontecerem de forma silenciosa. É essencial que se olhe para o IVA. Se tantos países tomaram a decisão [de o baixar] foi por alguma razão. Estamos agora a discutir o Orçamento do Estado, era muito importante que se pudesse olhar para esta questão. Claro que a descida do IVA não vai salvar as empresas todas. Mas seria um balão de oxigénio.
O retrato actual dos sectores da hotelaria e restauração é, portanto, pouco animador…
É, mas os sectores são muito resilientes, já deram provas disso. Vamos sendo colocados à prova e as empresas e os empresários conseguem reinventar-se, reajustar os seus produtos e serviços. Temos capacidade de sobrevivência, mas precisamos que o Estado nos ajude. É essencial, porque há limites para a resiliência e para a capacidade de nos reinventarmos. Há uma exigência tremenda nestes sectores, como não vejo noutros. Sabemos que o turismo é de facto a alavanca económica do nosso País, foi sempre o motor, há-de continuar a ser. Quem gosta de viajar vai continuar a pôr Portugal no top das suas escolhas. Há tendência para termos memória curta, mas a verdade é que recebemos inúmeros prémios e vamos com certeza voltar a ter a preferência de quem gosta de viajar. Mas para nos aguentarmos até lá vamos necessariamente ter de receber ajuda do Governo. Sem isso não há resiliência que resista, porque é um ano e meio de sufoco. Vamos insistir com o Governo para que as medidas deixem de estar no papel e possam efectivamente, e na prática, ajudar as empresas.
Coincidiu com a pandemia a entrada em vigor das regras que ditam o fim do plástico de uso único. A medida está a ter grandes impactos nestes sectores?
A directiva ainda não entrou em vigor. É uma questão caricata. Deveríamos ter já transposto a directiva europeia para o ordenamento jurídico português e não o fizemos. Isto fez com que uma lei que existia sobre a matéria entrasse em vigor assim que terminou a sua moratória. Teria entrado em vigor no auge da pandemia e fomos solicitando ao Governo, que aceitou, que fossem criadas moratórias, até porque os estabelecimentos estavam fechados. A lei é até mais exigente do que a directiva, temos este constrangimento. É importante que a directiva seja transposta, porque agora temos umas regras, mas amanhã vamos ter outras. A lei proibe todos os artigos de plástico, a directiva estabelece metas para a proibição, por produtos. Há necessidade de estabilizar e de dar tempo para as empresas escoarem os produtos que ainda têm, já que muitas estiveram encerradas. Também é preciso dar tempo ao mercado para apresentar alternativas que não sejam a custos elevadíssimos, que as empresas não conseguem suportar.
Perfil
Carreira na AHRESP
Ana Jacinto é licenciada em Direito. Depois do estágio na Ordem dos Advogados, iniciou a sua actividade profissional em 2000, como advogada e jurista, tendo exercido também essas funções na Edideco. Em 2001 ingressou na AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, onde tem feito a sua carreira, assumindo actualmente o cargo de secretária-geral. Foi também docente em pós graduações na Universidade Autónoma de Lisboa. Entre outros cursos, possui um MBA – Master em Gestão de Empresas e o CAP – Certificado de Aptidão Pedagógica (hoje CCP – Certificado de Competências Pedagógicas). Ao longo do seu percurso na AHRESP, além das funções inerentes ao seu cargo de gestão na instituição, é chamada a participar activamente na elaboração de legislação relacionada com o sector do turismo, a emitir pareceres sobre várias áreas do Direito e a coordenar e participar em diversos grupos de trabalho e projectos.