“É um círculo vicioso. O cliente não paga ao fornecedor, que depois também não paga ao seu fornecedor”. São estas as consequências, e são já conhecidas, dos atrasos nos pagamentos, aponta António Poças, presidente da Nerlei, a propósito dos resultados do Barómetro de Pagamentos da Informa D&B, que revela que no final de Maio apenas 14% das empresas portuguesas cumpriu os prazos de pagamento.
“Um registo muito baixo, e que tem vindo a degradar-se nos anos recentes”, aponta o estudo. Portugal mantém-se, assim, como um dos países com mais empresas que não cumprem os prazos de pagamento, com menos de um sexto das sociedades a pagar nas datas acordadas. Pelo contrário, nos principais parceiros económicos da Europa tem-se registado “uma redução significativa de empresas incumpridoras dos prazos de pagamento”.
O estudo aponta as microempresas como as que mais contribuem para agravar este indicador em Portugal, uma vez que representam cerca de 95% do tecido empresarial nacional e, entre 2009 e 2018, a percentagem destas empresas que pagou aos seus fornecedores dentro dos prazos acordados desceu de 26,7% para 14,2%.
Considerando a totalidade do tecido empresarial, a percentagem de empresas com atrasos nos pagamentos superiores a 90 dias era de 9,4% no final de Maio. A maioria das empresas (65,2%) paga com um atraso até 30 dias. A média do atraso (em relação aos 30 dias que são a norma) é neste momento de 28,9 dias, aponta ainda o Barómetro de Pagamentos da Informa D&B.
Números que o presidente da Nerlei vê com apreensão, já que “para o bom funcionamento da economia é importante que todos cumpramos os prazos de pagamento acordados”. Questionado se os prazos se estão a dilatar cada vez mais, António Poças diz não ter a percepção de “estarmos pior nessa matéria”.
Quanto aos motivos para os atrasos, diz que “parte do problema é cultural, e reside no facto de quando o negócio é fechado o cliente não valorizar o prazo de pagamento acordado”. “Estou convencido que se houvesse uma maior assunção das datas acordadas elas seriam mais cumpridas”.
A redução de apenas alguns dias nos prazos de recebimento tem impactos na tesouraria das empresas. Na semana passada, durante o evento AEP Link realizado em Leiria, Mário Santiago, director financeiro da Auto Júlio, revelou que o grupo, que factura 100 milhões de euros, conseguiu nos últimos anos reduzir esses prazos em dois dias (de 45 para 43 dias), o que se traduziu em “700 mil euros a menos a ter de pedir à banca”.
[LER_MAIS] Um outro estudo, neste caso da Intrum, revela que também a Administração Pública portuguesa é das piores pagadoras na Europa. Demora 75 dias a liquidar as suas contas, quando a média europeia é de 42 dias. Mesmo assim, os prazos de pagamento no sector público no nosso País têm melhorado: eram 95 dias em 2017 e 86 no ano passado.
O mesmo relatório adianta que 35% das empresas inquiridas garante que se os seus clientes pagassem mais depressa isso teria impactos no emprego, com a possibilidade de contratação de mais pessoas.
Famílias pagam em média a 45 dias
Os dados do Relatório de Pagamentos Europeu, feito todos os anos pela Intrum, revelam que as famílias portuguesas são quem mais se aproxima da média europeia no que se refere a pagamentos. Em 2016 liquidavam as suas contas a 45 dias. Foi feito um inquérito às empresas, que revela que estas apertam cada vez mais as condições de pagamento apresentadas às famílias.
Do ano passado para este, os prazos médios propostos (mas não necessariamente cumpridos) caíram para metade: de 36 para 18 dias. Já os créditos incobráveis desceram para um dos valores mais baixos de sempre: 1,4%, abaixo da média europeia de 2,3% e dos 2,4% registados em 2018.