Este fim de semana talvez o som forte do rebentar de uma onda na praia me tenha acordado, prematuramente, na fase REM do meu sono e por isso dei comigo a recordar o sonho lindo que estava a ter.
Vi-me a chegar ao largo onde fica a minha casa, com o carro repleto de amigos e a estacionar, sem problemas, nos lugares reservados para os moradores dos prédios sem garagens!
Devia ser inverno porque ao chegarmos a casa vi a lareira acesa e a mesa do lanche posta como me lembro de ser posta na casa da minha avó. Reconfortados com o chá quentinho e os deliciosos bolinhos da avó, preparámo-nos para sair. Sei que, ao descer as escadas, estava ansiosa e me sentia muito emocionada.
Ia, finalmente, ver com os meus amigos o Museu da Literatura, recém-inaugurado em Leiria! E soube-me tão bem sonhar este sonho que o registei para não o esquecer e mais tarde, quando me apetecesse, lhe poder mexer.
Tentando escalpelizá-lo hoje concluo que o meu inconsciente deu corpo a esse sonho articulando desejos que, conscientemente, já senti!
De facto, gostava de ver chegar, mais do que apenas o condutor, nos carros que estacionados cumprem o horário de trabalho dos seus donos, à frente da minha casa. Como vi noutros países, com cidadãos mais conscientes das suas responsabilidades na resolução dos problemas ambientais, mas também com melhores transportes públicos tal, também aqui, seria possível. E como gostaria de poder estacionar o meu carro no largo onde vivo.
Lembro-me de que quando ia visitar a minha filha a Lisboa, os lugares de estacionamento de quase todo o seu bairro estarem reservados para quem lá vivia e não tinha garagem. Como eu gostava que em Leiria os moradores dos bairros da cidade, nessa situação, [LER_MAIS] assim fossem tratados!
Já os lanches em casa da avó me fizeram desejar famílias e escolas mais atentas à educação das crianças. Era durante as refeições que a minha avó, ao mesmo tempo que mimava os netos com sobremesas deliciosas, nos ensinava a “estar à mesa como devia ser”. Lembrando-nos que os talheres não eram espadas que se empunhavam, algumas vezes, ainda tivemos de os usar enquanto segurávamos livros debaixo dos braços.
Ora, com tantas crianças a almoçarem nas cantinas e a jantarem com as famílias não será esta coeducação uma possibilidade?
Quanto ao sonhado Museu da Literatura em Leiria, não tenho dúvidas: o meu inconsciente ligou a candidatura de Leiria a capital da cultura a uma crónica do escritor António Lobo Antunes onde ele manifesta a sua incompreensão por em Portugal tal museu não existir, apesar de existir um Pacheco Pereira com um trabalho, na área da literatura, “extraordinário e único (…) capaz de organizar, aqui, um monumento desses.”
E sim, confesso que eu substituiria quase toda a agenda cultural da iniciativa da CML pela colocação de uma primeira pedrinha desse Museu! Utopia? Para mim não. Por último, o que dizer da subtileza com que a minha avó se impôs no meu sonho?
Sinto que, de alguma forma, tal liga-se ao meu desejo de ver impresso, na forma de agir de todos, mas principalmente de quem nos governa, o pensamento daqueles que “por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”. Terá de ser isto apenas um sonho?
*Professora
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990