Um ano após a reabertura a tempo inteiro do Armazém das Artes, com festa e programação especial já no fim-de-semana, de 22 a 24 de Março, a gestora Maria Manuel Aurélio continua a querer comprometer-se com uma ocupação “leve e descomplexada” do edifício com 2 mil metros quadrados de área para exposições localizado junto ao Mosteiro de Alcobaça.
“Pode ter este papel de, não sendo condescendente, e não diminuindo em nada a qualidade daquilo que queremos transmitir, lembrar as pessoas de que a arte e a cultura podem ser divertidas”, diz ao JORNAL DE LEIRIA. “Tem e deve ter como missão ser um espaço onde nos reaproximamos daquilo que nos é superinato, que é a manifestação artística. Se formos à história da humanidade, antes do fogo, já pintávamos paredes. Há, de facto, algo muito elementar, muito natural, muito de pele e de sentimento, nesta coisa de nos expressarmos”.
Aberto pela primeira vez em 2007 por iniciativa do artista plástico José Aurélio, e encerrado desde 2012, excepto durante acções pontuais, o Armazém das Artes “é um colosso” que tanto coloca “dificuldades” como manifesta “potencialidades”, reconhece Maria Manuel Aurélio. “Com estas características, se calhar até chegarmos a Lisboa não há nada parecido”. Conforme sinaliza o bronze esculpido na porta, é uma casa para o cinema, a fotografia, o teatro, a dança, a arquitetura, a escultura, a literatura, a pintura ou a música, com exposições e muito mais. “Dá para fazer quase tudo aqui e isso é espectacular”.
A gestora do Armazém das Artes considera existir “falta de liberdade no sector cultural”, em que vê “uma certa tendência para o discurso encriptado e hermético, para os pares, que afasta”, e, em contrapartida, defende “uma oferta que se diferencie na forma”, com “roupagens novas”, capaz de “proporcionar experiências” que façam com que o público “tenha vontade de voltar”.
Três dias em festa
Na agenda dos próximos três dias, sexta, sábado e domingo, também concebida para assinalar 17 anos desde a inauguração do Armazém das Artes e dirigida a todas as idades das crianças e famílias aos seniores, há oficinas criativas, sessões de cinema com o filme José [Au] Vento, concertos de FeMa, Malinwa, Marta Hugon e Bruno Santos, um itinerário de contos nocturnos com Tomé Simão Dionísio e José Manuel Valbom Gil, a apresentação do livro Casalinho do Diabo, das Edições Escafandro, e um Vinil à Hora com José Aurélio a dar a ouvir (e a conversar sobre) música clássica seleccionada da colecção de discos cedida por Manuel da Bernarda.
Estão, ainda, anunciadas duas novas exposições: A História do Armazém das Artes – oficina onde clandestinamente se construíram bombas, depois adega, e, finalmente, carpintaria e escritório de solicitador – e We Need Some Makeup!, que reúne duas dezenas de esculturas, pinturas e desenhos a precisar de restauro, que os visitantes podem apadrinhar e financiar. “Não querem ser uma coisa que não são, querem é estar em todo o seu esplendor”, afirma Maria Manuel Aurélio. “Damos ênfase a isto do que é a nossa beleza natural e [de] não estarmos nesta ânsia constante de sermos coisas que não somos, porque os padrões de beleza, de forma geral, nos pressionam a isso”.
Duplicar visitantes
O que resta de 2024 também já é conhecido. Destaque para a programação dedicada à cerâmica, na segunda metade do ano, que contempla a exposição Pratos da Guerra, Pratos de Paz, que recupera 32 pratos produzidos em olarias de Alcobaça como propaganda contra a Alemanha nazi. Em paralelo, artistas contemporâneos vão criar outros pratos, inspirados pelo tema, mas em relação com a actualidade.
Entretanto, nos bastidores, uma equipa de três pessoas arregaça as mangas diariamente para colocar ordem num “bicho muito grande” que “consome muito tempo”, assinala Maria Manuel Aurélio. “Parece infinito, estamos sempre a encontrar novas coisas que precisam de ser reorganizadas”.
Além do serviço educativo – “um trabalho de fundo com as escolas no distrito” – e da tentativa de “criar pontes” para chegar “às pessoas que nem sabem que o Armazém existe”, o plano passa por disponibilizar funcionalidades com interesse comercial. “Se não conseguir forma de criar algum nível de autonomia e de autofinanciamento, [o Armazém das Artes] é só um cancro que nós, família, temos aqui”.
Em Março de 2023, com a exposição Arte Negra, a reabertura do centro cultural – que inclui um auditório – ficou a dever-se ao interesse do presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, Hermínio Rodrigues. “O mérito é absolutamente dele”, sinaliza Maria Manuel Aurélio. “Foi a primeira vez que, de facto, um presidente reconheceu que valeria a pena apoiar um programa que o meu pai tinha feito”.
Com o apoio financeiro e logístico do município, “a médio longo prazo” o objectivo é “receber outro tipo de exposições, que sejam mais vinculativas do ponto de vista de roteiros artísticos e culturais”, com nomes consagrados.
Entre Março e Dezembro de 2023, o Armazém das Artes recebeu 5.400 visitantes, mais do que nunca. Número que, segundo Maria Manuel Aurélio, se ambiciona duplicar em 2024.