Tenho uma mania: as ruas por onde ando, quase nunca têm os nomes que a toponímia lhes deu. Não! Gosto de ser eu a “batizá-las” encaixando-as numa matriz pontuada de emoção e razão. Por exemplo, farta da “painatalice” que infeta os portugueses nesta época, eu que considero essa vermelhusca personagem responsável pela mercantilização do Natal e um indigno ladrão das lusas tradições natalícias, batizei com o nome de “Rua do Pai Natal” aquela via que sai da Câmara da cidade, rumo ao centro comercial Continente.
É para lá que nos dirigimos quando, armados em anglosaxões, nos dispomos a gastar dinheiro em coisas riscando, de uma lista real ou imaginária que fizemos, os nomes das pessoas a quem essas coisas se destinam.
Desta forma é através de coisas que despachamos as pessoas e com isso nos sentimos, finalmente, em paz! Ah, miserável Pai Natal! Por causa de ti a paz, sinónimo do estabelecimento de relações afetivas, assertivas e empáticas entre as pessoas, os animais e a Natureza, já não se constrói, já não dá trabalho, compra-se!
[LER_MAIS] Felizmente há uma outra rua nesta minha cidade que eu batizei de Rua do Natal! Desce da Câmara para o coração de Leiria e chamei-a assim porque ela me leva ao Natal!
Lá, numa alegre azáfama vejo sorrisos nas caras das pessoas enquanto fazem aquilo a que chamo “compras com alma”: adquiridas nas lojas do comércio tradicional elas logo começam por ser um presente para a cidade; “catadas” nessas lojas, cada uma nos serve para trocar afetos com as pessoas que encontramos, com os livreiros e com os livros nas livrarias, com os comerciantes que nos conhecem, nos aconselham e nos fazem sentir em casa.
E depois, depois lá estão as famílias que se passeiam pelas ruas da cidade. Umas feitas de um pai, uma mãe, filhos e avós, outras, de outras maneiras como a do Menino Jesus. Com dois pais ou duas mães, com um pai ou uma mãe enfim, grupos de pessoas que, amorosamente, mostram não quererem despachar-se uns dos outros!
Muitas destas famílias talvez até tenham feito, em suas casas, um Presépio. Se calhar servindo-se dele até contaram aos mais pequeninos uma linda história – “Sabes, a gruta que abrigou o bebé, a vaca e o burro que o aqueceram mostram-nos como a nossa vida depende dos animais e do ambiente.
E olha! Os reis magos que fizeram uma viagem muito grande para virem visitar o bebé eram cientistas, sabiam muito de astronomia, de medicina e de matemática e recordam-nos como é importante que a ciência e tudo o que de bom aprendemos, esteja sempre ao serviço do mais humilde e pequenino dos seres humanos…”.
Decididamente, por estes dias, a leitura de mais umas páginas do livro A Construção de Jesus, de Tolentino de Mendonça, vai ter de ser adiada. A minha querida Rua do Natal espera-me, descendo-a hei de sempre encontrar o Natal!
*Professora
Texto escrito de acordo com a nova ortografia