Tudo começou com o escândalo que envolveu Harvy Weinstein, acusado publicamente de assédio sexual por atrizes que trabalharam em filmes por ele produzidos. Depois sucederam-se outras denúncias públicas, visando personalidade do cinema, dos media e da política.
Na cerimónia de entrega dos globos de ouro, atrizes vestiram-se de negro em protesto contra o assédio sexual na indústria do cinema. Posteriormente, 100 mulheres francesas, entre as quais Catherine Deneuve, subscreveram uma carta aberta que publicaram no Le Monde.
Nesta carta questionam e criticam alguns aspectos relacionados com aquelas denúncias. Aquele texto deu origem a uma outra carta aberta, subscrita por 30 feministas francesas, que criticam duramente a carta publicada no Le Monde.
No meio de toda esta polémica é difícil tomar uma posição clara, sem que se dê origem a mal entendidos. É um facto assente , não contestável, que o assédio sexual é repugnante e deve ser denunciado e combatido e que certas formas de assédio constituem crime a ser severamente punido.
Mas isto mesmo é dito na carta das intelectuais francesas onde referem expressamente que: “Depois do caso Weinstein, houve uma legítima tomada de consciência a respeito da violência sexual exercida contra mulheres, especialmente no ambiente profissional onde alguns homens abusam do seu poder. Ela era necessária”.
Assim, não podem restar quaisquer dúvidas sobre a posição das 100 mulheres sobre o assédio sexual … Só que levantam algumas questões que, na minha opinião, são pertinentes. Desde logo o facto de as denúncias serem feitas através dos media e da redes sociais, sem que seja previamente dada oportunidade aos “abusadores” de se defenderem [LER_MAIS] .
É uma justiça sem provas, feita na praça pública, à revelia dos tribunais. É fácil, neste contexto, inocentes serem “condenados” e verem a sua vida “destruída”.
As 100 signatárias defendem também que “a violação é um crime mas o flirt insistente ou inconveniente não é um delito …” E com isto estou também de acordo. No entanto, contrariamente ao que referem, entendo que ninguém tem o direito de importunar e menos ainda que a liberdade de importunar seja indispensável à liberdade sexual.
No entanto, qualquer mulher tem a capacidade para, de forma clara e inequívoca, pôr termo a essas “investidas". As mulheres não são seres frágeis. A sua emancipação e a igualdade de direitos e deveres teve também esta consequência: a mulher não tem direito a qualquer proteção especial pelo simples facto de ser mulher.
Mas uma outra questão se levanta, que Raquel Varela, num texto que publicou no facebook, explícita de forma clara, e que passo a transcrever: “ Uma operária violada, como conheci centenas de casos relatados no estudo que fiz sobre o final do salazarismo, porque dependia do trabalho para alimentar os filhos, não pode jamais ser equiparada a uma estrela que está calada 20 anos, é fotografada sorridente ao lado daquele que hoje diz que a agrediu sexualmente durante 20 anos. Estas mulheres são, em primeiro lugar, vitimas da sua ambição e é acintoso, imoral, comparar operárias ou trabalhadoras que sofreram na sua pele o terror sexual em nome da sobrevivência a estrelas à procura de um lugar de topo, na carreira mais competitiva do mundo”.
É que também no assédio é importante a origem e posição de classe da vítima.
*Advogada
Texto escrito de acordo com a nova ortografia