Custas mais caras, incentivos para que as partes cheguem a acordo, criação de meios alternativos (como os Julgados de Paz) e mudança de paradigma na gestão de conflitos. Serão mais as razões que têm contribuído para aliviar os tribunais do avolumar de processos, mas estas são as apontadas pelos especialistas como as principais para justificar a diminuição de processos entrados e pendentes, sobretudo nos juízos cíveis da Comarca de Leiria. “Antes, as pessoas zangavam-se e iam para tribunal. Hoje não, as pessoas pensam duas vezes antes de avançar com uma acção”, justifica António Sá Gonçalves, advogado e ex-presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados.
Sem informação estatística disponível referente ao ano de 1984, o número total de processos entrados nos 10 concelhos do Pinhal Litoral e Pinhal Interior Norte, em 1994, foi de 19.460, segundo dados facultados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). [LER_MAIS]No mesmo ano, nos concelhos de Alvaiázere, Ansião, Batalha, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Leiria, Marinha Grande, Pedrogão Grande, Pombal e Porto de Mós, foram concluídos 17.027 processos e ficaram pendentes 16.602, entre processos cíveis, penais e tutelares.
Em 2004, e já com os tribunais da região Oeste incluídos na contabilidade, o número de novos processos atingiu os 22.775, os casos resolvidos ascenderam a 19.264 e, ainda de acordo com os dados do INE, o volume de pendências disparou para os 37.117. Na década seguinte, as contas mudaram de figurino com a reformulação do mapa judiciário, mas tomando por base o número de arguidos e de condenados, por comparação com 2004, verifica-se já uma clara diminuição.
Em 2014, os tribunais do distrito d e Leiria somaram um total de 2.957 arguidos e 1.820 condenados, quando, em 2004, haviam registado 4.314 arguidos e 3.013 condenados. Uma tendência confirmada em 2022, com o registo de 16.883 processos novos, 18.365 findos e 18.549 pendentes, conforme revela o Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça.
Acordos com incentivos
Nestes resultados, atendendo às explicações de Sá Gonçalves, estão já reflectidos os impactos do aumento exponencial das custas processuais decretadas em 2008. Ou seja, a justiça ficou mais cara e as pessoas passaram a fazer contas antes de recorrerem à litigância judicial, optando também por outros meios para resolução de conflitos, como os Julgados de Paz.
“Com o aumento brutal das custas processuais, muitos dos conflitos que antes estavam nos tribunais cíveis foram para os Julgados de Paz”, admite o advogado, lembrando que o custo de um processo nestes tribunais extrajudiciais atinge, no máximo, 35 euros por parte. “É quase uma justiça gratuita”, reforça.
Outras das razões que podem ter contribuído para a redução de processos foram a atribuição de incentivos (por exemplo com a isenção de custas) para os casos onde as partes chegassem a acordo durante a fase processual e a mudança de mentalidades, nomeadamente no que à disputa territorial diz respeito. “Há 30 ou 40 anos, os conflitos entre vizinhos, por causa dos terrenos, iam parar muitas vezes a tribunal e até chegavam a causar mortes. Hoje, qual é o jovem que está a preocupar- -se em avançar com um processo judicial por causa de meio metro de terreno?”, conclui Sá Gonçalves.
Justiça mais próxima, rápida e económica
Os Julgados de Paz foram criados para apreciar e decidir acções cíveis, com excepção das que envolvam matérias de direito da família, direito das sucessões e direito do trabalho, cujo valor não exceda os 15.000 euros. Nestes tribunais extrajudiciais, cada processo custa no máximo 35 euros a cada uma das partes e, se houver acordo durante a mediação, este valor desce para 25 euros. A maioria das pessoas tem recorrido aos Julgados de Paz para resolver conflitos relacionados com os direitos e deveres dos condóminos, responsabilidade contratual e extracontratual ou incumprimento contratual.
No distrito de Leiria está já a funcionar o Julgado de Paz da Comunidade Intermunicipal do Oeste (Alcobaça, Bombarral, Caldas da Rainha, Nazaré, Óbidos e Peniche) e, mais recentemente, o Agrupamento de Figueiró dos Vinhos, que abrange também os concelhos de Alvaiázere, Ansião, Pedrogão Grande e Penela (Coimbra). Aguarda-se a abertura do Agrupamento da Batalha, para servir também Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós.