Portugal continua na cauda dos países que cumprem os prazos de pagamento e a situação poderá agravar-se na actual conjuntura, devido à subida dos custos de operação das empresas, decorrente da guerra na Ucrânia e do aumento dos preços da energia.
Uma situação que preocupa os responsáveis das associações empresariais da região ouvidas pelo JORNAL DE LEIRIA.
“O desrespeito pelos prazos de pagamento acordados conduz a dois tipos de ineficiência: operacional e financeira. Em termos operacionais, as empresas gastam tempo e recursos improdutivos apenas para tentar garantir que os seus parceiros de negócios cumpram o que está acordado. São processos desgastantes e que destroem valor”, aponta António Poças.
O presidente da Nerlei adianta que, “em termos financeiros, a consequência mais directa é um efeito de contágio em que o prazo médio de recebimento tem muito que ver com o prazo médio de pagamento”.
Ou seja, “ao não existir recebimento atempado, o fundo de maneio torna-se insuficiente, logo será necessário mais financiamento junto da banca ou, como é muitas vezes o caso, sobretudo nas PME, acabam por se financiar através do pagamento tardio aos fornecedores”.
Os atrasos nos pagamentos são transversais a todo o tecido empresarial. Um estudo da Informa D&B revela que entre as grandes empresas, por exemplo, apenas 2,4% cumprem os prazos acordados com os fornecedores, “com a esmagadora maioria a pagar com atraso até 30 dias”.
Já as microempresas são, por um lado, “as que registam maior percentagem de cumpridoras; mas por outro lado é entre elas que está também a maior percentagem de atrasos superiores a 90 dias e igualmente a média mais elevada de dias de atraso”.
“Por se tratar de estruturas mais pequenas e em muitos casos mais frágeis, as microempresas estão mais vulneráveis às consequências dos atrasos nos pagamentos”, aponta a Informa D&B.
“O nosso tecido empresarial é caracterizado maioritariamente por microempresas, que ainda apresentam muita fragilidade na sua estrutura. As empresas de menor dimensão estão mais vulneráveis às consequências dos atrasos nos pagamentos e o aumento dos custos só vem agravar este prazo médio”, refere Lino Ferreira, presidente da Acilis.
O dirigente considera que o não cumprimento dos prazos de pagamento “está relacionado com o aumento dos problemas de liquidez do tecido empresarial”. “Há todo um conjunto de práticas empresariais que são essenciais para a construção de uma nova dinâmica na economia portuguesa”, defende.
Para Lino Ferreira, “o respeito pelo pagamento a horas aos fornecedores é uma das grandes opções de gestão, que marcam a diferença, especialmente num momento em que a falta de liquidez é um dos maiores problemas das empresas”.
E o Estado deve dar o exemplo. “Não é aceitável que o Estado apoie por um lado a economia e, por outro lado, penalize as empresas com pagamentos com mais de 90 dias de atraso do prazo acordado”.
“Uma das causas mais relevantes para o incumprimento de prazos de pagamento é o atraso ao nível do Estado. Até há cerca de 10 anos era um problema generalizado nas autarquias e em institutos públicos. A consequência mais directa é que as empresas que negoceiam com o Estado têm mais dificuldade em cobrar a tempo e como tal também vão pagar muito mais tarde”, diz por sua vez António Poças.
“Outra causa muito relevante prende-se com questões culturais. Entende-se que exigir/impor o cumprimento do que foi acordado é agressivo. Existe muitas vezes receio de perder o cliente”, constata o presidente da Associação Empresarial da Região de Leiria.
“Os atrasos nos pagamentos criam, por inerência, condições difíceis às empresas, quer na sua gestão de tesouraria quer no cumprimento das suas obrigações perante os seus fornecedores, bem como na sua capacidade de investimento”, destaca Manuel Oliveira, secretário-geral da Cefamol.
“Na indústria de moldes, esta situação é agravada em função das próprias condições de pagamento praticadas por muitos dos seus grandes clientes internacionais, detentores de um poder negocial muito superior ao das empresas portuguesas, na sua essência PME, que estendem por longos prazos a liquidação dos serviços prestados”, explica.
“Portugal sempre teve uma cultura de atrasos no pagamento, existem mesmo empresários que se ‘gabam’ de quanto mais tarde se pagar melhor, não analisando que estão a fragilizar toda a nossa economia”, afirma por sua vez Jorge Barosa, frisando que “quanto maior robustez financeira existir nas empresas maior competitividade existirá no mercado”.
O presidente da Associação Empresarial da Região Oeste (Airo) entende que “o cenário existente no momento actual não é favorável para uma melhoria nos prazos de pagamento, antes pelo contrário”.
“A saúde financeira das empresas é débil, a conjuntura económica nacional e internacional não está saudável e isso irá afectar ainda mais os prazos de pagamento, fazendo com que as empresas não consigam cumprir com os seus deveres nos prazos acordados”, receia o presidente da associação de Caldas da Rainha.
Também os outros dirigentes ouvidos prevêem um agravamento da situação.
“Sem dúvida que o aumento verificado nos custos de produção, que têm assumido um crescimento exponencial nos últimos tempos em função de diversos factores (alguns plausíveis, outros mais difíceis de entender), irão originar maiores problemas às empresas, muitas delas com uma situação económica e financeira mais frágil em função dos efeitos gerados pela pandemia e contracção do mercado verificada nos últimos dois anos”, aponta Manuel Oliveira.
“Em função das relações existentes entre empresas, e dentro de cada cadeia de valor, este atraso nos pagamentos poderá ter um ‘efeito cascata’, afectando de alguma forma todo o tecido empresarial, podendo criar condições difíceis a quem tenha uma estrutura financeira menos sólida”, diz o secretário-geral da associação da Marinha Grande.
“A conjuntura actual pode agravar a situação, sobretudo por dificuldades associadas à desadequada estrutura financeira da generalidade das empresas que, em regra, não apresentam capitais próprios adequados para enfrentar situações de maior risco. Isso traduz-se em efectivas dificuldades em concretizar os pagamentos e não apenas em atrasos”, alerta António Poças.
Já Lino Ferreira lembra que em resultado da pandemia muitas empresas sofreram “significativas perdas de volume de negócios e brutais impactos ao nível da sua liquidez, o que leva a um atraso constante de pagamentos”.
Para muitas empresas esta é uma realidade incontornável, “por absoluta impossibilidade de cumprir os prazos assumidos”, mas outras, “por excesso de precaução, falta de responsabilidade social e/ou oportunismo, utilizam [os atrasos] para proveito próprio, por vezes aproveitando as dificuldades de outras empresas”, sublinha o presidente da associação de comércio, indústria e turismo de Leiria, Batalha e Porto de Mós.
“É expectável que os atrasos nos pagamentos se venham a acentuar, em consequência do conflito na Ucrânia e da subida do preço da energia e das matérias-primas, que está a provocar um aumento nos custos de operação, incomportável para muitas empresas”, destaca.
“E se estas já estavam com dificuldades de tesouraria, devido à situação pandémica, agora com os aumentos nos custos de produção essa dificuldade é mais acentuada”, diz Lino Ferreira.
“Verifica-se uma grande fragilidade no tecido empresarial português, que se tem agravado nos últimos anos com a pandemia e agora com a guerra na Ucrânia”, aponta Jorge Barosa.
Para o presidente da Airo, “o aumento de custos operacionais irá acentuar-se ainda mais, pois a subida das energias irá afectar a disponibilidade financeira das empresas, principalmente as PME e as microempresas. Relativamente às grandes empresas, essas fazem do seu poder de compra jogos financeiros, sacrificando os seus fornecedores”.
Cumprimento dos prazos
Portugal entre os piores na União Europeia e no Mundo
No final de 2021, apenas 17,3% das empresas em Portugal pagavam dentro dos prazos acordados com os fornecedores. Segundo o Paydex, indicador da Informa D&B que avalia o número médio de dias de atraso de pagamento face aos prazos acordados com os fornecedores, cerca de dois terços das empresas pagam com um atraso até 30 dias e 7% registam atrasos superiores a 90 dias. Durante a pandemia agravou-se o comportamento de pagamentos nos sectores mais atingidos e agora, sendo “expectável um significativo aumento de custos de operação para muitas empresas, em consequência do conflito na Ucrânia e da subida do preço da energia, o fenómeno dos atrasos nos pagamentos pode acentuar a sua gravidade”, prevê a Informa D&B. De acordo com a consultora, os atrasos nos pagamentos de empresas a fornecedores atingem em Portugal um dos piores registos entre os países da União Europeia e de todo o mundo. Por outro lado, a diferença no cumprimento dos prazos de pagamento entre Portugal e os outros países europeus “alargou-se na última década”. “Enquanto na maioria dos outros países da UE mais empresas se tornavam cumpridoras, em Portugal esse número nunca mostrou uma tendência duradoura de crescimento, apesar da Directiva Europeia de Pagamentos, transposta para Portugal em 2013”.