Condenado a um ano e oito meses de prisão por agressão, que nega ter cometido, Eudomar Filho foi desafiado pela PSP cumprir serviço comunitário no Comando de Leiria. Aos 27 anos, casado e pai de uma menina com poucos meses de idade, o jovem reconhece a mais-valia do trabalho que tem desenvolvido na polícia, local que considera já uma segunda casa e onde gostaria de continuar a cortar cabelos, actividade que realiza todos os dias das 9 às 12:30 horas.
“Há dias que até me sinto constrangido de tão bem tratado que sou. Sinto-me muito bem acolhido. Já disse ao comandante que se me derem oportunidade de continuar aqui depois de cumprir as horas, seria uma honra poder continuar a servi-los”, revela.
Domingos Urbano Antunes destaca a relação que a polícia tem com Eudomar (carinhosamente tratado por Edu), que faz com que se sinta um deles. “Não há aqui nenhuma fronteira”, sublinha o comandante distrital da PSP de Leiria.
A experiência que tem tido na polícia e a forma como está integrado leva Edu a defender a PSP sempre que pode. “As pessoas, por vezes, têm uma má ideia da polícia. Pensam que são maus e que existem para punir as pessoas. É uma ideia completamente errada. Sempre que tenho oportunidade para falar com as pessoas digo-lhes que os agentes também são pais e estão a cuidar dos filhos dos outros. São seres humanos e as pessoas desconhecem este lado bom deles”, conta ao JORNAL DE LEIRIA.
Propósito maior
Edu chegou à PSP porque Domingos Urbano Antunes defende uma verdadeira integração de condenados. “Intensifiquei uma aproximação com as instituições e, em particular, com o estabelecimento prisional e sempre que houver oportunidade de ser convolada a pena de prisão em trabalho comunitário, a PSP disponibiliza-se a acolher pessoas, de acordo com as suas competências, mas tem de haver a anuência do próprio condenado. E, neste caso, o Edu aceitou vir aqui para a polícia”, explica.
Para o comandante, o trabalho comunitário deve ser aplicado “não numa lógica quase de castigo para a pessoa cumprir, mas ser um caminho de crescimento”. “Olho para a reinserção exactamente como um crescimento. A pessoa tem de sair daqui com um aumento das suas competências, quer pessoais quer profissionais”, reforça.
Edu começou por fazer trabalhos de jardinagem, mas o comandante percebeu que o jovem tinha um curso de barbeiro. “Coincidiu com uma necessidade nossa, pois deixámos de ter essa oferta. Criámos uma sala e repristinámos a cadeira que tínhamos e ele começou a cortar o cabelo ao pessoal e aos aposentados. Naturalmente damos-lhe uma gratificação”, adianta o comandante.
Domingos Urbano Antunes constatou que esta ‘nova vida’ de Edu contribuiu para que se conseguisse reerguer. “Senti verdadeiramenteque o Edu contribuiu para o reforço da nossa coesão, enquanto pessoas.” O jovem confessa que foi um desafio aceitar trabalhar na PSP. “Senti que ia ser bom para mim estar neste ambiente, pois seria uma evolução pessoal. As pessoas olham para mim e vêem um rapaz muito jovem, mas sempre gostei de trocar impressões com pessoas mais velhas, que têm bagagem e experiência na vida e que me podem ensinar alguma coisa”, confessa.
Edu, que escreveu um livro sobre a sua vida, onde aborda a morte do pai, todo o seu percurso e como superou as adversidades, confessa que adora ler e obter conhecimento. As palavras que a mãe lhe dirigiu após ter conhecido a condenação, deram alento ao jovem. “Tudo tem um propósito maior. Essa frase marcou-me.”
Foi há cerca de cinco anos que a vida pregou uma partida a Edu, que reconhece que frequentava ambientes que poderiam não ser os mais indicados. Uma acção irreflectida, após ameaças sofridas, levaram-no a encontrar-se com uma pessoa, mas foi acompanhado. No meio da discussão, houve uma agressão violenta, que Edu garante não ter sido o autor. Admite o erro de todo o contexto e acredita que a sua vida mudou para melhor com a experiência na PSP.
“O importante é ele fazer a catarse e viver o presente, como um momento de crescimento interno, sobretudo, com as pessoas que são os protectores da comunidade. Queríamos mesmo que ele crescesse e que dissesse: o meu trajecto também foi pela mão de um polícia. Estamos todos envolvidos em ajudar o Edu”, reforça Domingos Urbano Antunes, ao revelar que está empenhado em encontrar-lhe um emprego.
Apesar de ter uma barbearia no centro de Leiria, a indisponibilidade de estar no local todas as manhãs fê-lo perder clientes.