Beatriz Vilic tinha 14 anos quando se inscreveu no Curso de Árbitros da Associação de Futebol de Leiria. Já era craque no futsal do CRG Golpilheira, mas quis experimentar um novo caminho no mundo do desporto quando um funcionário do Instituto Educativo do Juncal, escola que frequentava, perguntou: “Estamos a precisar de raparigas para a arbitragem, queres vir?”.
Apesar da rebeldia ser uma característica quase intrínseca num adolescente, esta jovem da Batalha foi rápida a responder: “Tenho de perguntar à minha mãe”.
Com a anuência da família, que permitiu a entrada no Curso de Árbitros desde que as notas escolares se mantivessem altas, Beatriz Vilic ‘mergulhou’ neste novo mundo, tanto ou mais exigente quanto disputar os três pontos dentro de um pavilhão.
“Entrei com 14 anos e o primeiro jogo que me deram foi fazer uns Nazarenos. Portanto, percebi logo aquilo que ia apanhar”, lembra a atleta, ao abordar a pressão vivida por todos os árbitros em cada encontro.
Cedo percebeu que, com treinos de futsal e de arbitragem durante a semana e jogos ao fim-de-semana, teria de abdicar de um dos dois para não faltar com nada. Escolheu a arbitragem, sem arrependimentos.
“É preciso ser muito forte psicologicamente”, admite a árbitra, que faz uma gestão quase hercúlea do tempo para jogos e treinos, estudos, amigos e família. “Dá para ter a arbitragem e estar a trabalhar ou a estudar? Dá. Então vou fazer as duas, porque é algo que gosto, tenho a actividade física que acaba por me obrigar a mexer, o que é muito bom, e depois tenho também os estudos, noutra área diferente, para não estar sempre com o foco no mesmo”, afirma.
Agora com 21 anos, Beatriz Vilic já concluiu a licenciatura em Gestão de Eventos na Escola Superior do Turismo e do Mar do Politécnico de Leiria e prepara-se para ser árbitra assistente, na próxima época, na Liga BPI, a principal competição feminina de futebol do País.
No entanto, a primeira experiência no campeonato feminino não foi este ano. Manteve-se, até aos 18 anos, a arbitrar jogos distritais e, na época 2022/2023, chegou à Liga BPI para substituir um árbitro assistente. Regressou, esta última época, ao Campeonato de Portugal masculino, conseguindo pontuação suficiente para ser chamada ao Seminário de Árbitros e enfrentar as provas da Federação Portuguesa de Futebol que garantem a inscrição do nome no quadro nacional de árbitros, que ultrapassou com distinção.
A preparar o regresso à liga BPI, quando compara jogos femininos com masculinos, admite que as arbitragens são diferentes. “A nível de corrida, a Liga BPI é igual. Mas a técnica das faltas já é diferente. As raparigas utilizam muito os beliscões a passar, aqueles puxões decabelos, e não se atiram para o chão a rastejar. De resto, criticar e reclamar é tudo igual”, comenta, em tom de brincadeira.
A um árbitro não bastam ‘olhos de lince’ para captar cada falta ou foras-de-jogo. O trabalho de arbitragem inclui muita técnica, desde a forma de levantar a bandeira ou os cartões, até às mudanças de direcção numa corrida.
Tudo se treina ao pormenor no campo desportivo dos Parceiros e, além da estrutura física, também a componente psicológica representa uma componente importante neste trabalho. “Já aconteceu estar assinar outros jogos e, ao ver outras pessoas a reclamar com os árbitros, perguntar: “E se fosse o vosso filho dentro do campo, iam estar a dizer isso?”. As pessoas esquecem-se de se meterem no lugar do outro e, aí, acabam por dar-me razão”, refere, ao defender que é importante dar a conhecer à população que esta profissão “não é fácil”, até porque cada erro também prejudica a avaliação dos árbitros.
Quanto ao futuro, esta jovem vai tentar seguir a premissa que a guia desde os 14 anos. Enquanto der para conjugar a paixão pela arbitragem na Liga BPI com a organização de eventos, pretende continuar.
E saudades de jogar dentro das quatro linhas? “Em Peniche, jogava com os estudantes e era a única rapariga. Na Batalha também costumamos usar o campo e jogamos de vez em quando. Consigo estar sempre a matar o bichinho”.
Mulheres aumentam na arbitragem
A Associação de Futebol de Leiria (AFL) promove há vários anos o Curso de Árbitros, onde já se formaram árbitros com o nome reconhecido junto do grande público, como Fábio Veríssimo ou António Nobre.
Na arbitragem feminina, Manuel Nunes, presidente da AFL, reconhece que os números têm aumentado e existem árbitras “que têm aproveitado bem os cursos e têm evoluído muito positivamente no âmbito regional e nacional”.
O dirigente reconhece “competência e qualidade” à arbitragem no feminino, contudo, esta continua a ser uma área onde “faltam” profissionais.