Não são profissionais de comunicação, não são escritores, mas criaram blogues onde partilham as suas experiências, informam, dão dicas sobre produtos diversos, produzindo conteúdos num estilo descontraído e por vezes até humorístico.
O grande boom de bloguers surgiu em Portugal há um punhado de anos e, de forma democrática, fez notar tanto as publicações de reconhecidas individualidades (como foi o caso do professor José Pacheco Pereira, com o blogue Abrupto) como de cidadãos mais ou menos anónimos, que aproveitaram o espaço e a liberdade digital para informar e denunciar problemáticas da vida política local (como é o caso do blogue Farpas, em Pombal, ou do Largo das Calhandrices, na Marinha Grande).
Além de comentarem a actualidade social e política, os blogues passaram a partilhar, um pouco ao sabor da moda, questões mais ligeiras, relacionadas com família e maternidade, viagens, decoração, beleza e lifestyle. Os conteúdos foram contribuindo para o sucesso de uns e para o esquecimento de outros.
E entre aqueles que ficaram há quem se tenha transformado numa espécie de estrela da blogosfera, como é o caso de Ana Garcia Martins, conhecida pelo seu blogue A Pipoca Mais Doce, que na semana passada arrecadou, pela segunda vez, o título de Blogue do Ano.
A região de Leiria também tem sido terreno fértil para este género de produção. São mais de 30 os blogues assinados por autores do distrito e, muitos deles, já contam com legiões de seguidores pelos mais diversos pontos do globo.
Recentemente, realizou-se em Leiria um encontro de bloguers, no Atlas Hostel, e o JORNAL DE LEIRIA quis conhecer as motivações dos autores desta espécie de diários partilhados, dos tempos modernos.
Filhos, trabalho e bolo. Qual bolo?
O Atlas Hostel acolheu recentemente um encontro de bloguers. O desafio foi lançado por Ana Osório, autora do blogue My Little Man, e a resposta saiu melhor do que a encomenda, com a presença de 15 autores da região.
Mas serão muitos mais por todo o distrito. Seguramente mais de 30 bloguers, contabiliza Ana Osório. E o que move todos estes escritores das horas vagas? As razões mais variadas, explica a autora de My Little Man, que diz existir uma grande diversidade de conteúdos, bem como uma grande heterogeneidade de autores.
Há pessoas novas e gente madura a publicar, há homens e há mulheres, vindos dos mais diferentes quadrantes profissionais, com interesses distintos, como: vinhos, gins e afins, família, maternidade, comédia, educação, alimentação ou viagens.
No caso de Ana Osório, os assuntos à volta da maternidade são o maior foco do blogue. Licenciada em Gestão de Comércio e Serviços e pós-graduada em Marketing e Comunicação, Ana deu início ao My Little Manem 2012, um ano depois do nascimento do primeiro filho.
[LER_MAIS] “Nasceu numa altura em que existia um boom de blogues escritos por mães de meninas, que falavam da maternidade de forma muito cor-de-rosa, muito naïf, com muitas nuvens e folhos”, recorda a gestora de Leiria. O que a moveu foi a necessidade de partilhar um mundo real, de uma mãe trabalhadora, que teve filhos rapazes, explica Ana Osório.
“Mais do que exibir marcas e vaidades, resumo o dia, conto o que aconteceu, falando também das coisas negativas que a maternidade traz”, salienta a bloguer. E quanto mais sozinha pensa estar acerca de uma situação, mais comentários recebe dos seus seguidores. Gente que tem os mesmos problemas, gente que responde às suas dúvidas ou pede conselhos.
Para Ana Osório, o blogue tornou-se numa espécie de diário digital, onde pode coleccionar as memórias do crescimento dos filhos. E, mais que isso, um espaço de interacção com outros pais. O humor com que adocica os seus textos é uma das razões pelas quais mantém fieis os seus seguidores.
Entre as publicações particularmente engraçadas está aquela em que fala do dia do bolo. Qual bolo? Bem, certo dia, em que estava assoberbada de coisas para fazer, e saía de casa com filhos, mala, lancheiras, sacos e um bolo, colocou o bolo no tejadilho do carro para acomodar os filhos no banco de trás. Ana saiu de casa, ouviu dezenas de buzinadelas, até que um taxista consegui avisá-la de que tinha um bolo no tejadilho.
“Moral da história, sou uma óptima condutora, a avaliar pela quantidade de rotundas que fiz, deixando o bolo inteiro”, resume Ana Osório.
“Um gajo amador com alguma dose de ignorância na área, mas que se apaixonou por vinhos, e procura saber e aprender com todos, algo mais nesta enorme vastidão que é o precioso líquido.” É desta forma que Nelson Moleiro se apresenta ao leitor no seu blogue Táscuela.
Natural de Leiria, o farmacêutico de 36 anos explica ao JORNAL DE LEIRIA que o seu blogue nasceu no Verão do ano passado, porque sentiu que, como ele, outros consumidores, leigos na matéria, tinham muita dificuldade em compreender as caracterizações dos vinhos feitas em revistas da especialidade.
Além de comentar vinhos, gins e afins, Nelson apresenta ao seus seguidores várias propostas relacionadas com enoturismo. Uma forma de salientar o que de melhor se faz em Portugal e contrariar a ideia de que só é bom o que vem de fora, salienta o bloguer.
Afinal, na Ucrânia, há uma centena de mães como tu
Susana Fonseca tem 33 anos, uma filha e é de Leiria. E, aparentemente, tem uma centena de outras mães como ela na Ucrânia. Na Ucrânia? Sim, na Ucrânia, no Brasil, na Suíça e numa série de outros pontos do globo.
Porquê? Susana Fonseca é autora do blogue Mãe Como Tu, que se dedica aos assuntos que giram em torno da família. E para sua surpresa, as suas publicações alcançam seguidores não só em todo o País, como num conjunto de outras latitudes, até as mais improváveis como a Ucrânia, onde tem 99 fieis seguidores.
“Em média, Mãe Como Tu tem cerca de três mil visualizações diárias. E cada vez que partilho uma nova publicação chego às seis ou sete mil”, conta Susana Fonseca. “À excepção do meu marido, a família não tem bem a noção do alcance que a coisa já tem. Ficam admirados como é que conhecem a Bianca [filha] lá tão longe”, refere a bloguer de Leiria.
Para trás ficou a carreira como professora do primeiro ciclo, que Susana optou por não exercer. Tem outras prioridades: a família, o emprego como administrativa numa empresa, uma loja online e o seu blogue. E o que torna as suas publicações tão apetecíveis? Para si, as publicações são fonte de prazer, uma espécie de diário das suas vivências como mãe.
E para quem a segue, essas aprendizagens são preciosas, porque nelas há desde dicas úteis sobre alimentação até receitas completas e originais baseadas em produtos saudáveis. “Como as papas caseiras”, exemplifica a autora, avessa a produtos industrializados.
Nem sempre é fácil escrever, quando se têm várias tarefas a cumprir em casa e no emprego. “Por vezes apercebo-me que já não publico nada há 15 dias. Porque uma publicação demora duas ou três horas a preparar, isto se não exigir nenhuma investigação prévia”, justifica Susana Fonseca.
Para compensar esses períodos de silêncio no blogue, vai escrevendo no Facebook, onde cada publicação é mais concisa e sai em tom mais humorístico, explica a autora. Mas o objectivo é sempre tirar o maior prazer de cada publicação e ser coerente com os seus ideais. Isso passa por não escrever por obrigação. “Vou fazendo, à medida que tenho tempo, entre tantas actividades”.
Além disso, “só recomendo produtos se me identificar com a marca. Caso contrário, não partilho”, esclarece Susana Fonseca.