“Formação não falta. Consciencialização para o uso do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal [SIRESP], sim.” Esta é a opinião de um grupo de bombeiros e pessoas ligadas à Protecção Civil, quando confrontados com as queixas de alguns comandantes, que alegaram falhas no funcionamento do sistema, durante os grandes incêndios que recentemente lavraram na região de Leiria. Para Patrícia Gaspar, secretária de Estado da Administração Interna, o que terá acontecido, “em determinados momentos”, foi “uma má utilização dos equipamentos de rádio”.
A governante, sugeriu, por isso, o reforço da formação nesta área. Segundo apurou o JORNAL DE LEIRIA, junto de bombeiros, elementos de comando e da Protecção Civil, a formação técnica para utilização do SIRESP existe há vários, mas nas horas de maior stress, nem todas as regras serão cumpridas. “O que sucede é que alguns utilizam os canais para tudo: para ouvirem as comunicações noutro teatro de operações, para perguntarem quando é que chega a equipa que os vão substituir ou para responder sobre o jantar, o que pode originar o congestionamento da linha”, exemplificaram um comandante e um bombeiro, que só aceitaram falar no anonimato.
Alguns dos responsáveis contactados estiveram nos incêndios de Leiria e todos discordaram que a rede SIRESP tenha “colapsado”. “Houve momentos em que, de facto, havia muitos elementos no teatro de operações e nem sempre se conseguiu comunicar de imediato, mas falamos de segundos. Não tem sequer comparação com a situação de Pedrógão Grande”, salientam. Não obstante, concordam que há “muito a melhorar” na rede SIRESP, nomeadamente no sinal e no alargamento do número de comunicações simultâneas.
“O que faz falta é mais sensibilização e consciencialização para o uso” dos terminais, garantiu-nos, por sua vez, fonte da Escola Nacional de Bombeiros, recordando que, “num exercício nacional realizado há cerca de quatro anos, já se tinham registado queixas do uso inadvertido do SIRESP”.
Sem querer apontar culpas a alguém em concreto, Carlos Guerra, comandante distrital de Operações de Socorro de Leiria, admitiu “que falta disciplina de rádio”. “Na formação é sempre transmitido que as mensagens devem ser muito claras, curtas e concisas. Na emoção de quem está no teatro de operações, por vezes, transmite-se tudo, quando não é necessário”, afirmou, referindo que é preciso mais treino e instrução nos quartéis para pôr os bombeiros a falar no rádio. “Confesso que não entendo este empolamento com a rede SIRESP.
Estas questões não são novas. O uso menos apropriado dos equipamentos contribui para uma carga nas comunicações. Em Leiria, houve cargas momentâneas na rede. Estavam a acontecer cinco grandes incêndios: Alvaiázere, Ansião, Pombal e dois em Leiria. Bombeiros, GNR, PSP, Sapadores e Forças Armadas todos usam a rede SIRESP. É natural que num maior afluxo a rede fique congestionada”, realçou, sublinhando, no entanto, que o trabalho operacional nunca foi posto em causa. Quando se notou a sobrecarga na rede “foram solicitadas as carrinhas móveis, que chegaram rapidamente”.
O comandante reconheceu, contudo, que “há zonas sombra em algumas localidades, onde não há qualquer rede, nem de telemóvel nem via rádio, que têm vindo a ser colmatadas”.
“O SIRESP, como qualquer outra tecnologia podia sempre melhorar e é o que se espera com o novo concurso. Há cinco anos não tínhamos a rede como está hoje”, constatou Carlos Guerra, ao acrescentar que o SIRESP tem disponíveis vários canais. O comando distrital atribui “por defeito o canal manobra ao comandante das operações” sempre que há uma ocorrência e “compete-lhe a ele solicitar outros canais perante a evolução da situação”.
Nas conclusões da auditoria às obrigações legais do SIRESP, na sequência dos incêndios de Pedrógão Grande, em 2017, foi atribuída à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna a responsabilidade de “elaboração de um manual, destinado aos utilizadores finais, que operam os terminais, que garanta um adequado conhecimento das características, capacidades e limitações do sistema e dos equipamentos, bem como dos procedimentos a adoptar e a evitar, tendo em vista uma adequada utilização da rede, tanto em situação normal como de emergência”.
Mais tarde, no Decreto-Lei 34-B/2021, foi determinada ainda a criação de um plano de formação para utilizadores SIRESP, que tem vindo a ser seguido pela Escola Nacional de Bombeiros. Na própria página da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil pode ser consultado um pequeno tutorial sobre a utilização dos dois tipos de rádios utilizados no SIRESP.
Apesar desta aposta na formação, que todos garantiram ser real, os problemas parecem persistir no terreno quando aumenta o número e a gravidade das ocorrências. E o Ministério da Administração Interna, através do titular da pasta, José Luís Carneiro, e da secretária de Estado, Patrícia Gaspar, voltaram a apelar, como já havia sido feito em 2016, depois dos fogos dos Sardoal, e em 2017, após os incêndios de Pedrógão Grande, ao uso profissional e consciente do sistema, reduzindo o número de grupos de conversação, evitando as chamadas privadas e assegurando a disciplina nas comunicações, com chamadas curtas e objectivas.