Os imperativos da melancolia são sempre uma espécie de preparação da alma para um prelúdio do tempo que habitamos, espaço e matéria a que acedemos pelo encalço dos sentidos.
Mesmo que imersos na mais profunda dor e tristeza, há sempre um rogar que se perde e se renova, um reacender das vontades e da ilusão.
E isso assume uma expressão inominável quando nos deparamos com a morte, com a perda de quem nos faz falta. E esta (in)finitude serve o propósito da melancolia, como se fosse uma ligação primordial à inquietação que trazemos e nos conduz à imprevisibilidade da fortuna.
A gramática dos sonhos é desigual, movimento de silêncio no desenho que se ergue da espuma arremessada por entre penumbra e brilho. Nas palavras de Paul Celan, “a morte é uma flor”.
Mas neste assombro, a irremediável mão da dor e o sobressalto da mágoa não se conjugam. São antagonistas. Anulam-se. Revestem-se de um padecimento irremediável, arrepio pungente na desordem, vórtice infindo, naufrágio. Impor ao corpo um lugar incomum é embaraço e negação.
E isso relega o consolo para o insanável desprezo, ordem alojada no juízo irradiado pelo pensamento que se escora no pesar.
Depois, no desgosto, uma espécie de nevoeiro denso haverá de se abater sobre as têmporas, quando para trás se vão sonhos e quimeras.
A vida é récita vulnerável, ruptura e contraciclo, soçobrando na imprevisão. E a morte submerge nos pestanejos do céu, ressoando como uma casa apagada no epicentro do silêncio.
O corpo apreende os movimentos das quimeras, transitando no vogar das incertezas, rumando para o universo paradoxal do futuro.
Imerecimentos são êmbolos que deformam as virtudes no ardor das incertezas.
O passado finca os dedos no lado súbdito da paisagem. Por isso, o eco das sílabas e dos vocábulos inaugurais que nos acometiam de espanto, [LER_MAIS] permanece na espessura branca da realidade. E os desejos alastram em redor das consequências, planos traçados para tomar o compassivo retorno, interlúdio breve ao espaço que nos pertencia.
Regeneram-se os juízos na gradação do medo, no reflexo das batalhas.
Na vida, quantas vezes nos esquecemos que o corpo é apenas um enfeite que ornamenta o mundo em que nos situamos?
Se ele resgatar a claridade que nos assola, não somos mais que uma arca de memórias, onde estão armazenadas as camadas de sonho que nos acometeram no decurso das estações. Um dia, o imerecimento nos dirá como se aclara a comoção.
Evocando os tempos em que a vida se parecia com um veleiro sem destino, na deriva das inocências. Porém, agora é um rumo certeiro e desprendido, traçado no eixo das memórias do futuro.
Sim, as memórias são um vento que insufla os estandartes da conquista. Ignorá-las é como renunciar ao ar que nos alimenta o cerne das ordens, das convicções de um espaço que apelidamos de alma.
O imerecimento é, por isso, o inverso do olhar utópico, um modo de evocar a gratidão. É o aportar que se localiza no espaço e no tempo dos sentidos que já não retornam ao pulsar do âmago.
Um cais no qual não conseguimos fundear absolutamente, categoria referente às condições imperativas do coração.
Um instinto da perseverança que ancora na dor e no passado, que eram já o vogar que continha toda a nossa eternidade.
Em memória de João Vasconcelos
*Psicólogo clínico