“Uma produção arrojada”, mistura “entre choque, informação e divertimento” – e os dias que se vivem justificam-na. “É o que a companhia costuma fazer de espectáculo para espectáculo: surpreender o público com uma atitude nova e uma abordagem nova”, comenta José Gil. “O tema, o tipo de técnica, tudo diferente da última coisa que fizemos”.
Com estreia agendada para o próximo fim-de-semana no Cineteatro João d’Oliva Monteiro, em Alcobaça, Cabaret Voltaire recria o café fundado no ano de 1916 em Zurique por Hugo Ball e Emmy Hennings – “um local seguro de efervescência criativa” – e presta homenagem ao dadaísmo, que nasceu ali, mas, sobretudo, permite ao colectivo S.A. Marionetas “falar de liberdade, inovação e salvação através da arte”, em “tempos tão instáveis como os que atravessamos hoje”.
“No fundo, espremido, é um espectáculo Dada”, explica José Gil, que partilha a autoria do texto, a encenação e manipulação, a construção e figurinos dos bonecos, a sonoplastia e a construção de objectos de cena e estruturas cénicas com Natacha Pereira e Sofia Vinagre. Rico em “experimentalismos” e “bastante interactivo”. Logo, “quem vai tem de estar mesmo predisposto a participar”.
Artistas da região solidários com A Barraca
Várias estruturas artísticas e artistas de Leiria e de concelhos vizinhos engrossaram no último domingo, 15 de Junho, as concentrações que decorreram em diversas cidades, como Lisboa, Porto ou Coimbra, sob o mote “Não queremos viver no país do medo”, contra discursos e crimes de ódio, na sequência de agressões e intimidações a actores do teatro A Barraca por parte de um grupo de neonazis. Regressar ao Cabaret Voltaire com a S.A. Marionetas é uma viagem com destino a uma Europa que parece, outra vez, ganhar contornos.
“Achámos que fazia todo o sentido, com a situação política e militar que se passa, neste momento, no mundo”, diz José Gil, lembrando que o dadaísmo aparece, há mais de cem anos, também como manifesto “anti-guerra” e “anti-bandeiras nacionalistas”, ao ponto de ter em “Gadji beri bimba”, de Hugo Ball, que utiliza sons sem significado sémico previamente atribuído por qualquer idioma ou povo, o poema mais famoso. “É uma maneira de nos exprimirmos contra tudo o que está a acontecer. E eles fizeram o mesmo”.
Se os protagonistas do Cabaret Voltaire “fugiram do nazismo” e da “extrema-direita”, na actualidade, segundo José Gil, subsistem “ameaças bastante reais”. Daí a necessidade de “uma espécie de crítica social contemporânea”, em palco, com “códigos” que os espectadores “entendam agora”, noutro contexto. “O teatro serve precisamente para abanar e abrir as mentes”, aponta. “Para as pessoas perceberem o que é que se anda a passar no mundo e alertá-las para fazerem alguma coisa”.
Estreia no sábado
Cabaret Voltaire inspira-se no período da Primeira Guerra Mundial em que Hugo Ball, Emmy Hennings e outros artistas de várias proveniências se refugiaram na Suíça, país neutro no conflito. O café em Zurique tornou-se ponto de encontro da arte de vanguarda e berço do movimento Dada, um dos mais importantes da história contemporânea.
Também é o movimento Dada que “pela primeira vez dá importância à marioneta como objecto artístico”, assinala José Gil, nomeadamente, por mulheres como Hannah Höch ou Sophie Taeuber, outro motivo para a homenagem criada pelo colectivo de Alcobaça. “A loucura dadaísta”, de “quebrar com todas as regras tradicionais e fazer como artista aquilo que apetece fazer, sem obstáculos e sem filtros”, está “completamente presente” no espectáculo, que, por outro lado, tem um carácter “informativo” e “educativo”, a primeira estreia da S.A. Marionetas em três anos.
“Vai ser uma experiência para o público”, desde que entra até sair, promete José Gil. Sábado, 21 de Junho, com início às 21:30 horas. Maiores de 12 anos e bilhetes a 7,50 euros.