É uma "lei desumana e obsoleta". Quem o diz é Sofia Lisboa, embaixadora do projecto Leiria Tem Saúde, que está a ser chamada pelo Instituto Politécnico de Leiria (IPL) a pagar uma dívida com sete anos, de uma licenciatura que nunca frequentou, por ter adoecido com cancro. "Nem o óbito exonera um estudante de pagar as propinas do ano lectivo em que estava inscrito. No meu caso, em 2010 entrei para o curso de gestão, mas infelizmente foi exactamente no dia de escolher as turmas que recebi o diagnóstico", afirma a antiga vocalista dos Silence 4. "É desumano. Só consigo imaginar os pais dos meus companheiros de luta que faleceram a receberem uma carta a pedir o dinheiro das propinas dos falecidos filhos. Já sei que terei de pagar, não escondo a minha revolta, mas estou a tentar reunir com a presidência do IPL e outras entidades para juntos conseguirmos a abolição dessa lei absurda".
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Do IPL chega a confirmação que está a proceder junto de Sofia Lisboa, nomeadamente com aviso de cobrança coerciva, ou seja, recurso à Autoridade Tributária, mas a instituição alega que se encontra obrigada por lei a exigir o valor das propinas, que só prescrevem ao fim de oito anos. "O objectivo não é chegar a esse ponto [cobrança coerciva], é resolver a situação, por exemplo, com um plano de pagamentos", diz a fonte ouvida pelo JORNAL DE LEIRIA, argumentando que com a legislação em vigor "a propina não se consegue evitar, nem por doença" e que "até em casos de morte" as universidades e politécnicos são forçados a liquidar a dívida.
Depois de se inscrever, qualquer que seja a instituição do ensino superior, o aluno dispõe de um prazo para anular a matrícula. Mas se não o fizer, nem informar a universidade ou politécnico da desistência, fica sujeito a pagar a propina por inteiro – e com juros, se pagar fora do prazo.
Sofia Lisboa reconhece que não respondeu às notificações do IPL ao longo dos anos, mas garante que informou a instituição do início do seu estado de saúde e procurou anular a matrícula. A embaixadora do projecto Leiria Tem Saúde acrescenta que a move, sobretudo, o interesse em confrontar e corrigir uma lei que considera cruel. Sofia Lisboa está reformada com invalidez total e absoluta, o que a impede de auferir rendimentos do trabalho.
O que dizem os tribunais? Nos corredores da Justiça, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre as propinas baseia-se no entendimento de que "o pressuposto de facto ou facto gerador da propina é a prestação efectiva desse serviço, ainda que o utente possa dele não fazer uso". Os juízes têm analisado a questão à luz da Lei Geral Tributária, no que se refere à classificação, pressupostos e prazo de prescrição das propinas, enquanto tributo devido a uma instituição pública do ensino superior.