A aldeia com nomes de gatos, de Carlos Lopes Pires, reúne 56 poemas – os primeiros 12 “escritos de seguida, nas primeiras horas”.
O autor apelida de “liturgia poética” o momento de apresentação da obra, que decorreu no sábado, em Leiria. E explica: “Não entendo a poesia como um espectáculo, como uma performance, como agora se diz, mas como algo que se aproxima da contemplação, da oração, do silêncio espiritual”.
Aproximadamente 50 pessoas no Moinho do Papel ouviram, na tarde de 7 de Junho, a palestra “Como consegui fugir do mundo errado”, sobre “a extraordinária aventura de um poeta que de ignorante a provinciano se tornou também clandestino”, em que Carlos Lopes Pires argumenta que “num mundo como deve ser”, cada coisa “pode ser outra coisa e assim sucessivamente até tornar-se na coisa sem fim”.
Foi já durante a intervenção acerca de A aldeia com nomes de gatos que lembrou pela primeira vez as raízes da família, com origem numa povoação da Beira Baixa. “Este livro não é sobre ela. Também não é sobre gatos”, assinala. “Pelo menos desde 2017 que a minha poesia não é sobre o que está escrito nos poemas”. No entanto, atribui ao território onde tem o coração o entendimento de que “os mortos somos todos” e que “os animais, as plantas, a água, as pedras, somos igualmente nós”, porque “o mundo é o espírito que caminha”.
Com 79 páginas, a mais recente obra de poesia de Carlos Lopes Pires é uma edição de autor produzida pela Hora de Ler, com ilustração de Fulvio Capurso.
Para o escritor residente em Leiria, “a vida é uma viagem de regresso a casa”. E, para o avô José, que o levava na mula a passear, “Deus era as amoras”, que “ajudava a colher a caminho do rio”, daí que Deus “só existisse no final do Verão”.
A liturgia poética beneficiou da escuta de quatro canções escritas por João Lopes Pires, irmão de Carlos Lopes Pires, da declamação de poemas por elementos da associação social CertaMente – e, ainda, da leitura crítica da obra, por Graça Sampaio.
“Nesta altura, já devem ter entendido que há duas aldeias. A das casas de granito, das procissões, do contrabando, do lince, do rio Côa e da serra da Malcata ao fundo, aquela a que os anos trouxeram progresso. E há uma outra aldeia, a das coisas permanentes, a do espírito que caminha. Este livro é sobre esta segunda aldeia. Que nenhuma pedra, nenhuma estrela, nenhum animal escapa ao espírito que caminha. Cada coisa em tudo e tudo em casa coisa”, diz, a dado instante, Carlos Lopes Pires. “A poesia assenta num sentido individual de existência. Deriva do sentimento de alguém perante a sua própria existência. A poesia leva tempo, que é o tempo da vida”.
Depois de A crucificação segundo jesus, e antes da próxima edição, que já tem título, A fábrica do longe, Carlos Lopes Pires, que tem cerca de 40 livros de poesia publicados, dá voz a uma certeza: “Este é o meu melhor livro, porque é o mais belo e o mais autêntico. É aquele que se afasta, definitivamente, de qualquer poesia literária”. E detalha: “Os poemas são acontecimentos cósmicos, são a manifestação de uma consciência que é presente em tudo. Por isso, escrevo de joelhos e assim caminho na escuridão, tacteando em busca da claridade”.
Os poemas que escreve “não tratam de literatura”, mas “têm muito de agricultura”, conclui. “São uma profunda ignorância, buscam uma pobreza que não é deste mundo. Mas do que eles realmente mais tratam, é de coisas de luz”.