“Perdi o meu irmão.” É desta forma que Francisco Palma resume o seu sofrimento pela morte de Carlos Vieira, o seu grande companheiro de pedalada.
A chorar e com dificuldade em falar, o ciclista e ex-roupeiro da União de Leiria conta ao JORNAL DE LEIRIA que perdeu “o seu irmão”, com quem enfrentou várias aventuras a pedalar um pouco por todo o lado. “Fomos três vezes de Portugal a Roma em bicicleta. Enfrentámos chuva, vento e frio e tudo o mais. Mas estávamos juntos.”
A amizade é longa e a proximidade dos dois levava, muitas vezes, a mulher de Francisco Palma brincar com o facto de estarem tantas vezes juntos: “Passas tanto tempo com ele, que começo a desconfiar de vocês”, revela Francisco Palma, sempre com a voz embargada, triste por ter perdido a mulher em Março e agora aquele que era um dos seus grandes apoios.
“Carlos Vieira era muito boa pessoa. Amigo do seu amigo, esteve sempre ao meu lado quando a minha mulher faleceu. Telefonava todos os dias, sempre muito preocupado comigo”, revela. A notícia da morte de Carlos Vieira “chocou” Francisco Palma. “Não esperava que acontecesse. Terá apanhado a Covid no aniversário da sua mãe. Mas esse vírus anda aí e não se vê. Pode acontecer a qualquer um”, afirma resignado, lamentando o “vazio” que sente por duas grandes perdas tão recentes: a mulher e o melhor amigo.
[LER_MAIS]“Não sei como vai ser agora. Estou sozinho”, remata a chorar.
No dia 8 de Dezembro, Carlos Vieira dava os parabéns à sua mãe: “Hoje celebra-se o Dia de Nossa Senhora da Conceição – Padroeira de Portugal -, e também se celebra o Dia da nossa Mãe, que hoje faz 98 aninhos, e será para nós e sempre ‘A melhor Mãe do Mundo’. Obrigado Mãe, por todos estes anos de vida e dos sacrifícios que passaste para nos criar, que ultrapasses os 100, muitos parabéns e muitos anos de vida, mil beijinhos.”
Há quatro dias, Carlos Vieira publicava na sua página de facebook: “É com enorme tristeza, que informo todos os meus familiares e amigos, que há uns dias sentia algum cansaço e fui ao hospital fazer exames. Já não saí de cá mais, até dar (negativo). Até lá vou rezar a todos os santos e continuar a acreditar. Só por curiosidade e (azar) tinha recebido um honroso convite da RTP – Praça da Alegria -, para estar presente, na próxima quarta-feira. Interessa-me agora vencer esta terrível maratona, passem todos bem e protejam-se.”
Na terça-feira, o ciclista não resistiu ao ataque do SARS-CoV-2 e morreu. Rapidamente pessoas de todo o lado invadiram as redes sociais com mensagens de tristeza pela partida surpreendente do bombeiro-ciclista.
Carlos Vieira ganhou fama em 1983, ao bater o recorde do mundo de resistência em bicicleta: durante 191 horas pedalou sem parar, perfazendo quase três mil quilómetros no antigo Estádio Municipal de Leiria.
Às quatro da manhã do dia 16 de Junho, Carlos Vieira gravou a letras de ouro o seu nome no Guinness Book of Records. “Foram três anos a preparar-me. Dormia em casa, fazia 24 horas nos bombeiros e ia para o estádio fazer dois dias seguidos de bicicleta. Voltava a trabalhar nos bombeiros e só depois é que ia para a cama”, recordou há sete anos Carlos Vieira ao JORNAL DE LEIRIA.
Em 1990 Carlos Vieira fixou novo recorde do Guinness de resistência em bicicleta, mas sobre rolos, marca realizada em New Jersey, nos Estados Unidos da América.
Novamente em Leiria, em 2014, pedalou 15 horas e 14 minutos sobre rolos em cima de um carro de bombeiros e, em 2018, garantiu novo recorde, guiando a bicicleta durante oito horas apenas com uma mão. Enquanto ciclista de estrada, competiu por vários clubes, tendo representado ao longo da carreira o FC Alverca, Sporting Clube de Portugal, Flores do Lis, GD Cela, Bairro dos Anjos, Núcleo Sportinguista de Leiria, Casa do Benfica de Leiria e União de Ciclismo de Leiria, alcançando vários pódios.
Estes foram apenas alguns dos muitos grandes feitos de Carlos Vieira.
Católico assumido e com uma fé inabalável, outros momentos altos da sua vida foram os encontros com os papas João Paulo II e Francisco, no Vaticano.