Vista de fora parece uma típica casa desenhada por uma criança. A simplicidade do traço está também presente em cada recanto do interior, onde a luz é um elemento essencial. Luz que penetra através dos pátios enterrados, em redor dos quais se desenvolvem as várias divisões.
As áreas íntimas – quartos e casas de banho – estão organizadas à cota da rua, construídas no subsolo e com acesso a pátios privativos. No piso superior, fica a zona social, com as áreas de sala. O telhado é atravessado por uma grande abertura que rompe até ao nível mais baixo, culminado num pátio central.
Falamos da House in Leiria – a ' Casa emLeiria' -, um projecto do conceituado gabinete de arquitectura Aires Mateus, que o JORNAL DE LEIRIA foi conhecer a propósito da recente atribuição do Prémio Pessoa 2017 a Manuel Aires Mateus.
A história da casa começou em 2004, quando os seus proprietários – um casal de professores que, por uma questão de privacidade, pedem para não ser identificados – sentiu necessidade de trocar o pequeno apartamento onde viviam na Avenida Marquês de Pombal, em Leiria, por uma casa um pouco maior.
A ideia seria construir, aproveitando um terreno de família, localizado na freguesia de Pousos. “Sempre me interessei por arquitectura. Um dia comprei uma revista com trabalhos de Aires Mateus e gostei da simplicidade. Fizemos o contacto, mas desde logo os pusemos ao corrente das nossas limitações: não tínhamos muito dinheiro e o sítio do terreno não era muito interessante”, conta o proprietário.
Aos arquitectos pediram “uma casa muito simples, sem ostentação”, com “três quartos, uma sala e um espaço de trabalho” e que os protegesse “um pouco da rua”, dando-lhes “alguma privacidade”. Desejavam ainda uma “casa fora do normal”.
O primeiro impacto com a proposta apresentada foi de “uma certa estranheza”, recorda o professor. “O que queríamos estava lá, mas a forma… Não estávamos habituados. Não são projectos fáceis de se gostar de imediato, nem para mostrar à família. Mas depois entranha-se.”
Manuel Aires Mateus explica que a preocupação foi a de criar “uma casa que fosse o mais casa possível”. Daí, a forma “arquetípica de uma casa de telhado de giz”, como se tivesse sido “desenhada por um miúdo” refere o arquitecto, que sublinha o envolvimento dos donos no processo de “descoberta do projecto”.
“Com proprietários verdadeira interessantes, como é o caso, é muito mais fácil. O projecto de uma casa descobre-se com as pessoas. Aqui, foi à primeira. Não havia dúvidas. Via-se que estava certo", referere Manuel Aires Mateus.
[LER_MAIS] Segundo o arquitecto, o terreno ajudou também ao processo de desenvolvimento do projecto. Como a propriedade tinha uma parte à cota da rua e o jardim um pouco acima, o projecto jogou com essa disposição. No subsolo fica a zona íntima, “o que confere uma grande intimidade à casa”, enquanto a área social está ao nível do jardim.
“É uma casa de crianças a flutuar num jardim”, resume Aires Mateus. A essa caracterização o proprietário acrescenta uma outra: “é uma casa que surpreende”, sobretudo, à noite, porque “há uma lua queaparece, uma estrela que se esconde ou uma sombra sobressai no céu”.
Capa de revistas e palco de visitas
A casa, começada a projectar em 2005, ficou concluída em 2010. E, desde então, já figurou em inúmeras revistas e livros da especialidade em Portugal e no estrangeiro, tendo, inclusive, feito capa em algumas delas.
AMAG: International Architecture Technical Magazine, Arquitecura e Construção (Portugal), Global Architecture Houses ou Portuguese Contemporany Houses são algumas das publicações onde a House in Leiria apareceu em destaque.
Para Aires Mateus, a enorme divulgação que o projecto teve, nomeadamente no estrangeiro, deve- -se, sobretudo, ao “sentido muito directo” da arquitectura: “É obviamente uma casa”. E, “se hoje é mais ou menos fácil e comum” encontrar este conceito, “naquela altura constituiu uma surpresa, até para nós”, admite o arquitecto.
A projecção que a casa teve em Portugal e além-fronteiras surpreendeu os proprietários que, volte e meia, recebem a visita de arquitectos , alunos e amantes da área que querem ver in locco a “casa de telhado de giz”, cujas imagens já correram o mundo.
“Um dia recebemos uma excursão de finlandeses, arquitectos e estudantes, que nos pediram para visitar a casa. Vieram de autocarro, que parou na rua em frente”, conta o proprietário.
Numa outra ocasião, quando a família regressava de férias, tinha dois japoneses à sua espera. Queriam ver a casa. “Fizeram a visita e acabámos por os convidar para ficaram connosco para o almoço de Páscoa.”
A House in Leiria também já serviu de cenário para uma sessão fotográfica para a Vogue, a conceituada revista de moda. O trabalho em causa foi feito em 2011, por um fotógrafo português para a edição italiana da Vogue.
“A certa altura tivemos de barrar um pouco e recusámos algumas propostas, porque isso implicava que tivéssemos de sair de casa enquanto decorriam esses trabalhos”, refere o proprietário, que, sublinha, no entanto, que apesar da mediatização do projecto, a família tem conseguido “manter a discrição”.