Navegar por mares nunca antes navegados que a ousadia e coragem dos marinheiros portugueses arriscaram durante a Era dos Descobrimentos pode ser ligeiramente aflorado na nova sala da Casa dos Pintores, ainda por acabar. As aplicações multimédia estão agora a ser desenvolvidas para que seja criado um mini-centro de Ciência Viva em 20 metros quadrados.
“Pelo menos, queremos dar dimensão de ciência aplicada à Casa dos Pintores”, assume Vânia Carvalho. “Criámos um mundo novo, com três sóis, porque a ideia é que se possa perceber para onde é que iríamos, passando os cálculos matemáticos que fizermos numa das aplicações”, explica a coordenadora do Centro de Diálogo Intercultural de Leiria (CDIL).
Numa parceria com cinco professores do Departamento de Matemática da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Politécnico de Leiria, será possível, dentro de poucos meses, entrar numa embarcação e localizar a latitude e longitude do local onde se está a navegar.
Situada no último andar, um espaço que anteriormente estava encerrado ao público, a sala convida a uma experiência imersiva, onde os cheiros e sons a mar estão presentes. Os matemáticos estudaram o almanaque perpétuo – o primeiro incunábulo -, um documento científico impresso em Leiria, para traduzirem em módulos interactivos a forma como se utilizavam as tabelas de navegação para analisar a latitude em alto mar.
Concebido para ser acessível a todas as idades e conhecimentos, o espaço está dividido em três módulos. Nos dois primeiros, o visitante recebe informação sobre vários conceitos, que o vai ajudar nos passos seguintes, explica a docente Alexandra Nascimento Baptista.
“Está projectado um globo terrestre e uma aplicação interactiva, para a pessoa entender os conceitos longitude e latitude, que servem para saber a posição de qualquer sítio no planeta Terra”, acrescenta Susana Ferreira, outra matemática.
Só depois de se aprender sobre como se pode somar graus, minutos e segundos, o utilizador vai localizar a sua embarcação no mar, através de uma imagem científica da autoria do ilustrador científico Nuno Farinha. “É através da medição do astrolábio, direccionado para cada um dos três sóis representados no painel, que se farão os cálculos, em conjunto com as tabelas, e se chegará à latitude em que nos encontramos nesta embarcação em alto mar”, precisam.
Nova exposição
A Casa dos Pintores reabriu no sábado, depois de uma intervenção muito profunda, que implicou não apenas o edifício, mas também ao nível das fundações nas três zonas das ruas, que estavam a perder estabilidade devido a um processo de erosão, que levou ao encerramento do espaço cultural há cerca de seis anos. A empreitada de reabilitação iniciou-se em 2022 e ficou concluída no início deste ano.
Este é um edifício com cerca de 600 anos, que foi sendo alterado como um lego. “Eram dois edifícios, que só foram postos em contacto no século XIX”, adianta Vânia Carvalho. A intervenção permitiu alguns reajustamentos no imóvel, num investimento que nos últimos cinco anos se traduziu em mais de meio milhão de euros.
A museografia também é nova. Com o desaparecimento da última tipografia no centro histórico – Tipografia Carlos Silva – a Câmara de Leiria adquiriu uma prensa minerva, a mais antiga, que está exposta e é funcional. “A ideia é que possa ser utilizada em actividades específicas. Ela está a par com a prensa da réplica do Gutenberg. Fazemos ali uma ligação entre aquilo que são as primeiras impressões em Leiria – das primeiras cidades onde há impressão em Portugal – com os judeus”, afirma a coordenadora do CDIL.
Percorrendo a Casa dos Pintores ficamos a conhecer informação mais actualizada sobre a Inquisição em Leiria, resultante de um trabalho mais profundo desenvolvido recentemente pelo historiador Saul António Gomes.
Presença dos judeus
É também relatada a presença dos judeus em Leiria, que se fixaram a sudeste das muralhas da vila acastelada, as comunas judaicas e dados sobre a família dos Ortas, com destaque para o judeu Abrão de Orta.
“Este texto é completamente novo. Tínhamos os nomes dos judeus, agora temos os nomes dos cristãos novos, que não tínhamos à época”, explica Vânia Carvalho. Tendo em conta as pequenas salas do museu, os conteúdos estão traduzidos em inglês em folhas A4 colocadas na parede e que podem ser consultadas por quem quiser.
A Casa dos Pintores não tem condições para receber a visita de pessoas com mobilidade reduzida. Quem quiser pode conhecer o espaço através de um ecrã interactivo disponível na recepção.
Multiculturalidade há vários séculos