Como vai ser a cidade depois de receber o Leiria – Paredes Com História?
Ricardo Romero – Este tipo de eventos pode trazer coisas muito boas, onde a oferta cultural, se calhar, muitas vezes não acompanha aquilo que é o crescimento das próprias cidades.
Leiria não corre o risco de parecer uma cidade que vai atrás da moda da arte urbana?
Ricardo Romero – Esse risco existe, mas se não fosse esta moda este tipo de eventos não era possível. Isto é fruto do tempo e do que as pessoas procuram consumir. A arte urbana hoje é bastante melhor aceite. O que estamos a procurar é que isto não seja só o que se faz noutros sítios, estamos a procurar que haja um bocadinho do cunho e da identidade de alguns artistas que vivem na região ou nasceram aqui.
Paredes Com História porquê?
Ricardo Romero – Por ser um ramo onde eu me movimento, esta primeira edição vai ser muito vocacionada para a pintura de paredes. Mas será um primeiro capítulo. Futuramente, poderemos ter outros episódios que poderão passar por outras coisas que não só as paredes.
O objectivo é colocar Leiria no mapa da arte urbana?
Ricardo Romero – Sim. É um evento que vai poder ser visto como um todo no futuro. E aí a criação das rotas de arte urbana, que, acreditamos nós, vai ser sem dúvida uma mais-valia para uma cidade como Leiria. Também ao nível do turismo. Vai acrescentar valor àquilo que é a oferta cultural hoje em dia. E em termos contemporâneos a arte urbana é uma coisa que as pessoas procuram e querem consumir.
O que diferencia este evento de outros eventos em Leiria e de outros eventos de arte urbana em Portugal?
Ricardo Romero – O que vai diferenciar, aqui em Leiria, é ser um evento dedicado cem por cento à arte urbana.Até à data, em Leiria, nunca vi. Em termos de planeamento, só o facto de ser feito ao longo de um mês, diz muito daquilo que queremos – que os artistas venham, sintam Leiria, que estejam aqui. Todos nós temos a ganhar, e a própria cidade tem a ganhar, com esta partilha de conhecimentos. E é um dos factores diferenciadores em relação à forma como as coisas se estão a processar, nomeadamente, em Portugal. Porque tem que existir um [LER_MAIS] envolvimento muito grande da comunidade.
Catarina Dias – Há duas ideias fundamentais que talvez distingam este evento de outros: o foco e a paciência. Não queremos que seja um momento explosivo. Temos a plena consciência que isto é um semear. E o foco porque quisemos focar-nos nesta primeira edição na questão das paredes e da pintura.
Os artistas vão intervir livremente?
Ricardo Romero – Têm total liberdade para intervir, dentro daquilo que é o ideal [do evento], e aí entrou a minha curadoria, de tentar dar a conhecer um bocadinho da história de Leiria.
As temáticas do ambiente e dos animais, que os vossos projectos vão tocando, também passam para eles através da curadoria?
Ricardo Romero – São todos artistas com muita sensibilidade para essas causas, sem dúvida alguma. Porque é essa também a nossa preocupação.
É difícil encontrar o equilíbrio entre a expressão no espaço público e o respeito por um território que é de todos?
Ricardo Romero – Provavelmente só no dia 9 de Outubro é que vamos conseguir fazer esse exercício [último dia do festival]. Estou convicto que vai acontecer. Por experiência própria, o senso comum aceita muito bem este tipo de iniciativas. Acho que no geral as pessoas vão gostar. Há sempre aquelas pessoas que são mais cépticas, mas são essas que queremos chamar para a discussão pública.
Catarina Dias – É sempre motivo para alguma perturbação, mas dessa perturbação, e muitas vezes de opiniões extremadas, é que se arranja o bom senso e o equilíbrio. O importante é haver respeito pelas opiniões, sejam positivas ou negativas. E a partir daí uma reflexão.
O que explica o sucesso da arte urbana, que começou por ser algo clandestino e às vezes até ilegal?
Ricardo Romero – Tenho pensado muito nisso e ultimamente dou comigo a falar muito mais sobre isso do que alguma vez esperaria. Mas acho que é a proximidade com as pessoas.
Catarina Dias – É o tratar por igual. A arte urbana é provavelmente das artes mais democráticas que existem.
Ricardo Romero – Até mesmo para quem vem das Belas Artes é um desafio para estarem mais próximo das pessoas. Com esta janela da arte urbana, o próprio artista consegue tornar-se muito mais visível.
A definição de arte urbana mudou desde que começou a fazer os primeiros grafiti?
Ricardo Romero – Sim. E eu ainda sou do tempo em que nós não éramos artistas urbanos, éramos writers. É essa a minha escola em termos de artes, o grafiti. Hoje em dia essas fronteiras não fazem sentido. A partir do momento em que o grafiti chega a França e Alemanha e alastra pela Europa toda, o que nós assistimos é um pós-grafiti, que é uma outra coisa já. O que nós apanhámos [em Portugal] era inserido muito na cultura hip-hop. Até 2004 o grafiti teve bastante força e nessa altura nós não queríamos falar em arte urbana, porque para nós não fazia sentido, era grafiti puro e duro. Até percebermos que afinal pertencemos a um movimento muito maior. E é mesmo isso: a arte urbana é um juntar disto tudo e hoje em dia já não há muita definição nem muitas regras.
Festival traz a Leiria 12 nomes da street art
"Numa cidade como Leiria, a arte pública, no seu todo, deve ser valorizada. Não só a arte urbana, como também instalações, esculturas e outro tipo de arte pública que temos na cidade e muitas vezes não valorizamos, porque já faz parte do nosso quotidiano". Ricardo Romero, o rosto do Projecto Matilha, lança assim as bases teóricas do Leiria – Paredes Com História, que se realiza entre 9 de Setembro e 9 de Outubro. Nesta primeira edição, com foco na arte urbana e em especial na intervenção em fachadas. Porque é esse o universo onde Ricardo Romero mais se movimenta. Mas o programa que Ricardo Romero e Catarina Dias têm preparado, através da associação Riscas Vadias, em parceria com o Município de Leiria, vai da rua para a galeria – seis artistas e colectivos vão actuar sobre paredes e outros seis em espaços interiores – e chega mesmo à academia, com dois dias de conferências agendados para a Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Leiria. A dupla espanhola Pichiavo e o artista croata Lonac são os nomes estrangeiros da street art presentes. Outros já confirmados: 565, Bordalo II, Daniel Eime, Fábio Colaço, Ivo Santos, Miguel Januário, Mister Fields, Nuno Viegas, Vasco Teixeira Rodrigues e o próprio Ricardo Romero.