A relação das cegonhas com o Mosteiro da Batalha é já secular, havendo registos históricos de que foram habitantes de longa data do monumento, nidificando numa das torres, ainda hoje conhecida como Coruchéu das Cegonhas.
Perpetuada num graffiti existente numa das paredes do Claustro Real, esta relação esteve interrompida nas últimas décadas, mas estará a ser retomada. Nos últimos dias, um casal de cegonhas foi avistado no cimo do monumento, abrindo boas perspectivas para que voltem a nidificar no local.
“Andarão a fazer um estudo de mercado”, brinca João Tomás, ornitólogo e um dos fundadores do grupo Aves da Batalha. Mais a sério, refere que se trata de um “casal jovem” que andará a escolher o melhor local para fazer o ninho. “Talvez não seja ainda este ano, porque não há movimentações para a sua construção e, daqui a dois meses, começam as viagens para Sul”, salienta.
João Tomás admite que o surgimento das cegonhas na zona do Mosteiro esteja relacionado com o crescimento de uma “mini-colónia que, desde 2010”, se foi instalando no vale do Lena, na zona de Azoia, Vale do Horto, no concelho de Leiria e, mais recentemente, na Golpilheira, já no Município da Batalha, com um ninho construído em Casal-Mil-Homens.
A nível regional e nacional assiste-se também a um aumento da população de cegonhas, nota o ornitólogo. No primeiro Censos da espécie feito no País, na década de 90, existiam 1.500 ninhos em Portugal, tendo sido identificados apenas dois no distrito. Em 2014, o território nacional tinha já “11.690 ninhos ocupados, 67 dos quais no distrito”, números que serão hoje superiores.
“Acredito que, a nível distrital, já tenhamos ultrapassado uma centena de ninhos”, estima João Tomás. Uma das razões que explica este aumento prende-se com as “maiores disponibilidades de alimentação, nomeadamente em aterros, resultante do desperdício humano”, mas também com a “expansão” do lagostim vermelho, uma espécie invasora “muito apreciada” pelas cegonhas, sublinha o ornitólogo do Aves da Batalha. Perante essa maior disponibilidade de comida, as cegonhas “migram menos” e, consequentemente, a sua mortalidade é “menor”.
“Molestar” cegonhas era “um sacrilégio”
Numa publicação feita na página de facebook do Mosteiro da Batalha é sublinhado o “regresso” das cegonhas e recordada a ligação de “longa data” entre a espécie e o monumento, através do testemunho de James Murphy, arquitecto que, no final do século XVIII, fez o levantamento arquitectónico do Mosteiro.
“Foi-me dado verificar neste lugar a ternura paternal que os poetas e os naturalistas atribuem às cegonhas. Um destes animais, com a sua afectuosa companheira, residiu muito tempo num grande ninho curiosamente construído no cimo da torre da igreja”, escreveu Murphy no livro Travels in Portugal (1795).
O arquitecto relata ainda que “os frades e o povo da vila tomariam como sacrilégio se alguém fosse molestar as cegonhas”, uma protecção “completamente compensada pelos serviços que essas aves prestam à região, matando serpentes, lagartos e outros répteis semelhantes”.