Há cerca de dois anos que Beatriz Cavaco está trabalhar na sua tese, no âmbito do mestrado em Prescrição de Exercício e Promoção da Saúde, no Politécnico de Leiria, onde monitorizou o ciclo menstrual de 14 atletas, entre os 13 e 16 anos, para perceber que impacto teria no rendimento desportivo.
Interessada, há mais tempo, por este assunto, a também coordenadora do projecto Super Quinas no distrito de Leiria revela que este é um estudo praticamente inédito, já que “não há estudos entre estas idades a nível mundial”.
A tese ainda não está concluída, mas Beatriz Cavaco assume que o controlo do ciclo menstrual permite aproveitar cada fase para melhorar o rendimento desportivo. “As mulheres conseguem tirar imensas vantagens das explosões de hormonas”, resume a estudante.
De forma geral, o ciclo menstrual divide-se em três fases: fase folicular, fase ovulatória e fase lútea.
Em cada mulher, a duração dos ciclos difere e é isso que torna mais “trabalhosa” a monitorização das hormonas.
É na fase folicular que os níveis de progesterona e estrogénio são idênticos e, por isso, não há nenhuma hormona dominante. “Nesta fase, o grande risco é sempre a lesão muscular. O corpo está extremamente inflamado, ainda que a grande maioria das atletas – aquelas que não têm dores – sente que até é a melhor altura para treinar. Isso tem uma explicação. Como não há uma hormona dominante, é o momento em que se sentem aptas”, explica Beatriz Cavaco.
No entanto, é na fase folicular “que se registam mais lesões musculares”.
Por seu turno, na fase ovulatória existe “a influência do estrogénio e o aumento da temperatura corporal”, indicadores que influenciam “a elasticidade dos ligamentos” e podem provocar lesões, nomeadamente no ligamento cruzado anterior, que é seis vezes mais comum nas mulheres que nos homens.
Segue-se a fase lútea, onde domina a progesterona. “Nesta fase, observamos algumas preparações para a entrada na menstruação, que provoca algum desconforto a nível físico”, adianta.
Parecem existir só desvantagens, mas é a partir desta monitorização que os clubes podem (e devem) adaptar os treinos.
“Há equipas que trabalham a força em função do ciclo. Há um período espectacular para trabalhar a força em que os ganhos são duas e três vezes maiores do que se não houvesse a explosão hormonal.”
Ciclos são diferentes
No entanto, cada mulher tem ciclos diferentes, que podem variar de mês para mês. As análises sanguíneas ajudam a decifrar o ciclo menstrual, mas é um método “muito dispendioso” para as equipas que pretendam adoptar este método de trabalho.
Durante os anos dedicados a este tema, Beatriz Cavaco recebeu várias vezes o mesmo comentário: “É fácil, as jogadoras passam todas a tomar a pílula”.
“Para mim, isso não faz sentido por duas razões. Primeiro, penso que é uma questão de ética, em que quem decide isso deve ser a jogadora. Depois, se existir uma ou duas pessoas por equipa que consigam monitorizar todas as jogadoras, elas têm muitos mais ganhos a nível físico do que se tomarem a pílula.”
Em clubes amadores, Beatriz Cavaco reconhece a dificuldade em ter alguém dedicado a este assunto. “Não consigo perceber como é que, a nível profissional, não existe uma pessoa só para isto. Nos outros países mais desenvolvidos já existe”, constatou a responsável.
Como será possível dar a conhecer este método no desporto português? “Primeiro, deveriam existir mais estudos práticos. Depois de ter os resultados, aí sim, divulgar. Começaria sempre pela formação de treinadores. Abordar também nos cursos universitários, onde não se refere a influência do ciclo menstrual no treino.”
Para Beatriz Cavaco, a análise do ciclo menstrual das atletas é “mais uma vantagem que uma desvantagem”. “É algo que, no masculino, não existe. No feminino, existe uma janela de tempo para conseguir optimizar a performance”, concluiu.
Área de interesse crescente
De um ponto de vista médico, Lúcia Fadiga confirma que “o impacto do ciclo menstrual na performance desportiva das atletas tem sido uma área de crescente interesse científico”.
“Tem sido efectivamente reportado que a fase ovulatória parece estar associada a um maior risco de lesões musculares e ligamentares. Uma explicação para esta constatação poderá ser a influência do pico de estradiol no aumento da laxidez ligamentar e na diminuição do controlo neuromuscular”, adianta a assistente hospitalar do serviço de endocrinologia da ULS da Região de Leiria.
No entanto, as conclusões são semelhantes a nível académico e médico: “São necessários mais estudos que clarifiquem estas alterações e que permitam a individualização do plano de treinos para cada atleta”, culmina a especialista.