Numa entrevista, em 1959, para os Cahiers du Cinéma, Fritz Lang conta uma pequena anedota que teve com o seu dialoguista sobre o uso de uma determinada expressão. O realizador alemão radicado nos E.U.A. queria que o Maharadja, em Tigre de Bengala, dissesse: “Se me der a sua palavra de honra, deixo-o livre no meu palácio”. Tendo o dialoguista respondido: “Mas, ouve, toda a gente vai rir. O que é que vale atualmente uma palavra de honra?”. A que vem isto a propósito? Precisamente por causa do novo filme de Clint Eastwood, Cry Macho – A Redenção (2021).
Depois dos anos de glória, toda a estrela mais tarde ou mais cedo perde o seu brilho, e Mike Milo, antiga vedeta do rodeio que se dedica à criação de cavalos, não foi excepção, vencido pelos comprimidos (consequência de uma queda), álcool e perda da mulher e filhos. Passado um ano desde o despedimento de Mike, o seu ex-patrão Howard Polk (Dwight Yoakam) decide ir ter com ele para o convencer a tirar o seu filho Rafael “Rafo” Polk do México, uma vez que está impedido de pisar terras mexicanas. Mike tenta de várias formas dissuadi-lo, mas, a dada altura, Polk diz o seguinte: “Acho que me deves alguma coisa e deste-me a tua palavra e isso costumava significar alguma coisa”. Contrariamente à opinião do dialoguista de Fritz Lang, sendo também uma espécie de reflexo dos tempos modernos em que facilmente se rompem compromissos, Mike Milo, como cowboy exemplar que é, honra a sua palavra, independentemente da idade que tenha, e parte para o sul em busca do adolescente que rapidamente ficamos a saber que está envolvido em lutas de galos. É evidente que o filme está embebido no tema da viagem, um dos grandes temas do western, mas ela será feita à sua maneira e sem pressas.
A afirmação de algo em contra-ciclo não é uma ideia estranha ao cinema de Eastwood, que nos vem apresentando personagens singulares, como é, por exemplo, o caso de Earl, em Correio de Droga (2018). E o mais recente Eastwood está nos antípodas do herói mítico que ajudou a forjar, mas caminhar ainda que num passo lento, entregar-se a tarefas rotineiras (cozinhar, dormitar, dançar) e cuidar dos animais é tudo o que precisa de fazer, porque o cinema tornou-se a sua vida e esta não é só feita de ações heróicas. Por muito difícil que seja fazer vista grossa à representação forçada e desajeitada de Eduardo Minett como Rafo, à tentativa insólita e primária de Leta (Fernanda Urrejola), mãe do rapaz, em seduzir Mike; a verdade é que basta a força dos dois gestos de cowboy para esquecer tudo o resto, pois é no esconder o semblante com o chapéu enquanto narra o acontecimento trágico da sua vida e no virar costas na despedida que se guardam o mistério de uma conduta em vias de extinção.
Se para alguns a desconstrução do machismo no filme não passa de duas ou três frases clichês (“Ser macho é sobrevalorizado”), que teriam tido bem mais efeito há umas décadas, não nos podemos esquecer que, numa América que se revoltou contra o anúncio The Best Man Can Be da Gillete, em 2019, contra a “masculinidade tóxica”, Cry Macho pode ser suficientemente desafiador.