De uma só vez, Inês Catarino e Daniel Silva tiveram de abandonar, pelo menos para já, três sonhos que previam realizar por estes dias. A pandemia assim o exige e o casal de namorados vai ter de continuar à espera de melhores dias até poder casar, ter filhos e mudar de cidade. Como Inês e Daniel são muitas as pessoas a quem a covid-19 veio trocar as voltas. O JORNAL DE LEIRIA foi conhecer quem por esta altura vê o casamento, a participação nos Jogos Olímpicos, uma grande viagem, a oportunidade de emigrar e até o negócio por conta própria como um sonho distante, que fica a aguardar por dias melhores, seja pelo fim ou pela minimização da pandemia.
Quando há uns meses Inês Catarino, de 32 anos, e o namorado, de 37, decidiram casar, a única dúvida que tinham era sobre a data concreta do dia do matrimónio. Não estavam certos se a festa deveria recair ou sobre o dia 9 de Maio – o 9 tinha sido até aqui o número de sorte da noiva – ou sobre o dia 23, do mesmo mês, igualmente importante para o casal. Faziam tanta questão que a boda se celebrasse num destes dias, que a quinta, onde toda a cerimónia iria decorrer, conseguiu fazer algumas mudanças para lhes proporcionar o festim no dia 9. Porém, as sucessivas notícias sobre a disseminação do vírus e sobre as medidas de distanciamento social que a covid-19 exige, vieram deitar por terra as pretensões do casal.
“Não pagámos a quinta, mas já pagámos o vídeo, a animação e a decoração da festa”, conta Inês, que aos poucos vai digerindo “o choque”. Os fatos de noiva e de noivo também já foram adquiridos. E são indumentárias frescas. Por isso, ou a cerimónia ainda decorre no próximo dia 5 de Junho – coisa em que os noivos já pouco acreditam – ou só no próximo Verão. “Mesmo que se pudesse realizar a festa agora, muitos convidados não viriam, por temerem o contágio”, salienta Inês. E durante os meses que se seguem, muitos deles vão ter o seu trabalho, vão ter os filhos na escola, pelo que seria muito difícil conciliar todos esses constrangimentos numa lista de cerca de 150 convidados, reconhece a noiva. No caso deste casal, adiar o casamento foi também adiar uma série de outros planos que dele dependiam.
Ter filhos foi um desses sonhos por agora cancelado. Inês idealiza ser mãe depois do casamento. Não lhe agrada particularmente a ideia de viajar em lua de mel já grávida ou com a criança bebé. Intuindo que os gastos com a boda pudessem ser compensados com o valor das prendas de casamento, Inês e Daniel consideraram que talvez fosse o melhor momento para mudar de casa e de cidade.
Conseguiram vender o apartamento da Marinha Grande e perspectivavam mudar-se para Leiria. Sucede que, com a pandemia, [LER_MAIS]as visitas às casas estiveram suspensas durante muito tempo, o que os impediu de procurar uma nova residência. Além disso, sem casamento, ou então com um casamento onde passam a ter muito mais gastos do que pensavam (terão de assumir as despesas quer estejam presentes os 150 convidados ou não) talvez a capital de distrito não seja agora o melhor local para residir, já que em Leiria os preços das habitações são mais elevados, justifica Inês. O objectivo, a curto prazo, será negociar com o comprador do apartamento, para que o casal ainda possa ficar durante mais um ou dois meses, até saber para onde se mudar, expõe Inês.
Valha a compreensão de toda a gente e o sentido de humor com que o casal tem enfrentado toda a situação. “Até brincamos um pouco com isto”, confidencia a noiva.
Adiamento dos Olímpicos pode ser uma oportunidade
Quando Evelise Veiga conseguiu a marca que a qualificou para a sua estreia nos Jogos Olímpicos, não podia antever que ainda teria muito que esperar até finalmente poder participar no grande evento desportivo. Apesar de mais focada no salto em comprimento, a jovem de Leiria, nascida em Cabo Verde, conseguiu a marca de qualificação no triplo salto, com 14,32 metros, tornando-se num dos nomes aguardados nos Jogos que se realizariam este Verão. Tudo parecia de feição até ao engrossar das notícias sobre a disseminação da covid-19, que acabaram por ditar o cancelamento do evento, que só irá realizar-se em 2021.
“Inicialmente, não tinha a noção de que a pandemia iria tomar uma dimensão tal, que levasse ao adiamento dos Jogos. Mas, quando foi declarada pandemia mundial,e porque se trata de um evento que reúne muitos milhares de pessoas, e não havendo vacina, percebi que não havia condições para realizar os Olímpicos”, explica Evelise. “É aborrecido, porque consegui a marca muito cedo e estava focada nisso. Havia grande motivação, enquanto esperava o momento”, salienta a saltadora, que se sente nesta fase mais conformada com a notícia.
Adiar os Jogos “foi a melhor decisão”, reconhece a jovem. “A saúde está em primeiro lugar. Sem saúde não há competições e não há prémios”, frisa Evelise. Além disso, o adiamento dos Jogos passou a ser encarado pela atleta como uma oportunidade para aperfeiçoar a técnica e para, quem sabe, conseguir também uma qualificação no salto em comprimento. Com as saídas do domicílio reduzidas ao mínimo possível, Evelise passou a treinar no mini-ginásio que criou em casa. É lá que a saltadora mantém os seus exercícios de força, com o apoio da treinadora. De vez em quando, soltam- se as pernas na rua. Mais recentemente, obteve autorização para treinar no Centro Nacional de Lançamentos.
“É bom para não perder a forma e continuar a trabalhar”, frisa a jovem atleta, que representa o Sporting. A componente anímica é muito importante entre atletas de alta competição. Evelise tem isso em conta. “Vou buscar força na minha família e no meu treinador. Além disso, tenho assistência psicológica com o Comité Olímpico de Portugal”, conta a saltadora.
Manter uma rotina preenchida também ajuda a jovem estudante, de 24 anos, que passou a poder seguir com mais frequência as aulas de Gestão, a licenciatura que está realizar, com aulas à distância, no Politécnico de Leiria.
Abriu um café, que ainda nem chega a sê-lo
Érica Batalha, de 36 anos, é técnica de cardiopneumologia e trabalhava há 13 anos numa empresa, na área comercial. Há pouco tempo, decidiu trocar a segurança do emprego estável, por conta de outrem, pela aventura de criar um negócio por conta própria. Dia 14 de Março abriu a porta do Simplesmente Café, para arrancar com o seu novo projecto profissional. Mas a pandemia trocou-lhe os planos. “Fechei logo e nem sequer cheguei a fazer uma festa de inauguração”, conta Érica, que tomou a iniciativa de encerrar preventivamente, ainda antes de ter sido decretado o Estado de Emergência.
Com a efectiva declaração do Estado de Emergência, a única solução para manter a actividade foi disponibilizar o serviço de take away e de entregas ao domicílio. Mas não era nada disto que tinha em vista, frisa a gerente. Situado na Zona Industrial da Marinha Grande, previa-se um café com movimento e não um estabelecimento onde ninguém entra.
Depois de investir cerca de 12 mil euros num espaço onde pretendia mudar de vida, Érica não tem opção se não aguardar por melhores dias. Entretanto, sublinha, vê na família o grande pilar e incentivo para continuar a lutar.
Viajar e emigrar. Quando… eis a questão
É licenciado em Ciências Psicológicas e está a terminar o mestrado em Gestão de Recursos Humanos. Como estava desempregado e já tinha tido uma experiência de trabalho de cerca de seis meses na China, Gonçalo Santos, de 37 anos, estava disposto a trocar Leiria pela Ilha do Sal, em Cabo Verde. E até à chegada da pandemia, tudo apontava para que fosse mesmo voltar a emigrar. Através de uma amiga que residia em Cabo Verde, Gonçalo já tinha enviado o seu currículo e já tinha recebido feedback positivo, para integrar o quanto antes uma cadeia de hotéis. Havia inclusive a possibilidade de começar a trabalhar naquele país, na área de Recursos Humanos, ainda antes de completar o mestrado, explica Gonçalo.
Com a disseminação mundial do vírus e com a quebra do turismo, os hotéis cabo-verdianos reduziram os seus serviços ao mínimo e a amiga de Gonçalo acabou por ser despedida, bem como muitos outros colaboradores daquelas unidades hoteleiras. O projecto de emigração de Gonçalo ficou, para já, na gaveta.
Em Leiria, sozinho em casa e sem emprego, todos os dias luta para se manter activo e não esmorecer. O piano e o desporto têm sido algumas das actividades com as quais passou a preencher os seus dias. Continua a enviar o currículo para empresas nacionais e internacionais, mas interroga- se: “vou emigrar para onde se todos os países estão nesta altura a viver os mesmos problemas?”
Quem também está a aguardar por melhores dias até poder sair do País é José Luís Jorge. O fotógrafo de Leiria planeava há muito tempo fazer uma viagem em torno do Mar Negro, um roteiro de cerca de dois meses que lhe permitiria conhecer melhor as pessoas, as culturas e as paisagens da Turquia, Bulgária, Roménia, República Moldava, Ucrânia, Rússia, Geórgia, Azerbaijão e Arménia.
“Ou não tinha dinheiro ou não tinha tempo ou havia uma situação política complicada naquela região”. Por algum destes motivos, o fotógrafo nunca conseguira realizar esta viagem. Agora, quando todos os astros se conjugavam e José Luís Jorge pensava ir finalmente de viagem, entre os meses de Abril e Junho, eis que a pandemia o impediu de realizar esse desejo. “O que não tem solução, está resolvido”, diz o fotógrafo, para quem este contexto trouxe uma lição: “não faço mais planos”.