Alguns minutos depois das 15 horas, numa tarde de sábado, o segundo evento de poesia na rua dinamizado pelo Colectivo Sisifus começa no Parque do Avião, em Leiria, com versos da autoria de José Vaz, lidos por Catarina Pedrosa, em homenagem ao antigo presidente do Rancho da Região de Leiria, que morreu em 2021.
A seguir, o microfone fica aberto e o primeiro a chegar-se à frente é Tiago Gaspar, outro dos membros do grupo. Do rio para terra espreita uma garça empoleirada num braço de árvore, mais adiante alguém desafia as leis da física em cima de uma tábua de skate, no Polis as caminhadas e corridas de fim-de-semana ocupam o percurso. Há um estendal com folhas A4 de onde o autor recolhe o poema “Três cabeças”, que escreveu numa cama de hospital, a convalescer da infecção Covid-19 que o deixou entre a vida e a morte. Um texto “metafórico e simbólico, e até sentimental”, explica, antes de as estrofes iniciais escaparem da coluna de som instalada junto ao restaurante Beira Rio.
Num intervalo entre leituras, Tiago Gaspar fala ao JORNAL DE LEIRIA sobre a importância “de chegar às pessoas” e diz que “a espécie humana está cheia de expressão”, de “paixão”. Com 24 anos, natural de Leiria mas a estudar Filosofia em Coimbra, escreve desde a adolescência, tem já um livro de poemas publicado e está a preparar o próximo.
“Ter uma voz”
Também com obra publicada, Pedro Antunes, co-fundador do Colectivo Sisifus, lembra o poder universal da poesia com um exemplo retirado do festival Ronda, no ano passado, em que participou. “Uma senhora brasileira, de 80 anos, passou, achou piada, agarrou no microfone e disse um poema de Chico Buarque”. E outra, mais jovem, “um poema em italiano”.
Na origem do Colectivo Sisifus – e dos eventos de rua, iniciados em meados de Dezembro – está o propósito de “levar a poesia para um sítio em que toda a gente tenha acesso”, explica Ana Antunes. Mas não só. “Nós, poetas leirienses, conseguirmos ter uma voz, podermos expressar e divulgar os nossos trabalhos”. Ela desafiou Pedro Antunes e o quinteto de fundadores completou-se com Catarina Pedrosa, Fátima Cordeiro e Conceição Ferreira, a que se juntaram, mais tarde, Caroline Barros, Tiago Gaspar e Bruno Abgrund.
Evento em Fevereiro
Há gente a escrever – “mais do que podia imaginar”, realça Ana Antunes – e público: ao fim de algumas semanas, o grupo já tem convites para se apresentar na Marinha Grande e (noutro contexto) em Leiria. “Existe uma fome de mais poesia”. Ambicionam organizar “um evento na rua mensal” que funcione “como um lugar seguro” onde qualquer um “pode participar”, sempre com “microfone aberto” e sempre com poetas a lerem os poemas que escreveram.
“A palavra junta com a voz, com o corpo, engrandece, agiganta”, assinala a promotora, que espera publicar o primeiro livro “muito em breve”. Os Sisifus podem vir a editar uma colectânea, mas, por enquanto, focam-se na consolidação de uma iniciativa que consideram “palpável” e “humana”, a que pretendem somar outro ciclo de programação, “mais intimista”, a decorrer em sala, também uma vez por mês.
No trilho da tradição que em Leiria remonta, pelo menos, aos versos de D. Dinis, prometem voltar à rua já em Fevereiro e persistir, como quem empurra uma pedra até ao topo da montanha.