Falta pouco mais de uma hora para a chegada dos primeiros clientes. Na cozinha do Garfo, o refeitório/ restaurante do Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor (CEERDL), em Caldas da Rainha, reina a tranquilidade.
Hilário ocupa-se da sopa de espinafres. Sandra trata das sobremesas. Está a terminar os pudins. Cristina prepara as saladas. Os três fazem parte de uma equipa de dez pessoas com deficiência mental que garante o funcionamento do espaço, onde diariamente são servidas dezenas de refeições, quer a utentes das várias valências sociais da instituição, quer a clientes de fora.
“São uma equipa extraordinária”, diz, com orgulho e afectividade, Rosa Nunes, a cozinheira, que lidera o grupo e que é, a par de uma auxiliar que trabalha a meio tempo, a única que não tem deficiência. O Garfo é um dos vários serviços à comunidade prestados pelo CEERDL, que garantem emprego a 30 pessoas com deficiência nas áreas de restaurante, lavandaria, jardinagem, produção de floricultura e piscina.
Ana Domingos, presidente da Direcção, explica que a prestação destes serviços tem uma dupla função. A primeira, e a “principal”, passa por promover a “inclusão e a integração de pessoas com deficiência”, dando “visibilidade ao trabalho que fazem, que prova que têm capacidades e competências muito úteis”.
Por outro lado, estes serviços contribuem também para a “sustentabilidade da organização”, gerando receitas usadas “em prol das suas respostas sociais”. No ano passado, por exemplo, a lavandaria e o restaurante tiveram um resultado líquido na ordem dos 173 mil euros, enquanto a produção de flores deu quase 117 mil euros de lucro.
“Os resultados económicos não são, de todo, o mais importante, mas acabam por ser uma boa ajuda. O principal é mostrar a capacidade de produção destas pessoas”, reforça Ana Domingos, sublinhando que, por detrás do trabalho destes funcionários, há “um acompanhamento muito grande” feito por uma equipa técnica diversificada.
[LER_MAIS] “Individualmente, não têm capacidade de empreender, mas com esse acompanhamento são pessoas muito capazes”, assegura a dirigente. Rosa Nunes não podia estar mais de acordo. “Se os pusermos a fazer a coisa certa, são óptimos”, atesta a cozinheira, que tem também como função ajudar a descobrir a tarefa que mais se adapta a cada um. “Precisam de fazer trabalhos rotineiros”, acrescenta a cozinheira.
Esmeralda Teotónio, surda, é uma das excepções, destacando-se pela sua polivalência. Está afecta à lavandaria, mas também dá uma mão no refeitório. Vai buscar e levar encomendas de roupa, faz o atendimento ao público e os recebimentos na lavandaria, onde, quando é preciso, ainda ajuda nas máquinas. Organiza a dispensa do lar e da residência autónoma, vai às compras, “se for necessário”, e ajuda na caixa do restaurante durante os almoços.
“É um bom sítio para trabalho”, assegura Esmeralda, de 47 anos, que já trabalhou na piscina e na secretaria do Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) da instituição, à qual está ligada desde 1999, quando frequentou formação do centro de reabilitação profissional. É, aliás, por aí que comecem muitos dos trabalhadores com deficiência ao serviço da instituição.
Actualmente a funcionar na zona industrial de Caldas da Rainha, onde está também instalado o restaurante, a valência de formação profissional do CEERDL dispõe de cursos de agricultura, jardinagem, empregado de andar e serralharia, destinados a “jovens e adultos com deficiência com capacidade para adquirir conhecimentos e competências”, tendo em vista a integração no mercado de trabalho.
Empresas “têm sido fenomenais”
“Temos parcerias com empresas da região, que têm sido fenomenais. O mercado de Caldas da Rainha é muito aberto à integração profissional destas pessoas. A grande maioria dos nossos formandos consegue emprego. A dificuldade maior é mantê-lo, não por não conseguirem desempenhar as suas tarefas, mas por problemas de assiduidade ou de relacionamento, motivados pela doença”, reconhece Ana Domingos, frisando a preocupação da instituição de ir adaptando a oferta formativa à evolução do mercado laboral.
Foi, por isso, que abriram o curso de agricultura. E foi também por essa razão que encerraram o de cerâmica, para tristeza de Rui Ildeberto, que trabalha na área da floricultura e que ainda hoje tem saudades do tempo em que fazia “enchimentos” numa fábrica de louça, já desactivada, como aconteceu a muitas outras no concelho.
Agora, Rui dedica-se às flores. O JORNAL DE LEIRIA foi encontrálo numa das estufas do CEERDL, que ocupam cerca de três hectares e de onde saem todos os anos mais de “850 mil flores”. Naquela manhã, que começou com a colheita de coroas imperais, Rui esteve também a apanhar ervas e a fazer novas plantações.
A coordenação deste sector está a cargo de Carlos Pimenta, engenheiro-agrónomo ligado à instituição há 18 anos. “Trabalhar com estas pessoas tem sido uma aprendizagem”, confessa.
Novos projectos
Associado ao serviço de jardinagem, nasceu recentemente o projecto Produtos da Mata, que consiste na transformação dos resíduos que resultam da manutenção da Mata Rainha D. Leonor e do Parque D. Carlos I, assegurada pela instituição, em novos produtos: fertilizante orgânico e lenha.
Em fase de concretização está a criação de uma cozinha pedagógica, projecto recentemente distinguido pelo Prémio Fidelidade Comunidade que permitirá desenvolver novas competências a 20 pessoas com doença mental, apoiando-as “no treino da sua autonomia em actividades diárias. Servirá ainda para a confecção de produtos artesanais, como biscoitos, doces ou compotas, que serão depois vendidos no comércio local.
“A comercialização destes produtos evidencia a capacidade produtiva das pessoas com deficiência e doença mental promovendo a aceitação social e contribuindo como fonte de receita para a entidade, refere”, refere a candidatura apresentada.
Já em fase final de construção encontram-se as novas instalações da lavandaria, que tornará possível “responder ao aumento da procura” e melhorar as condições de funcionamento da valência, explica Ana Domingos. A mudança, que acontecerá nas próximas semanas, abre caminho à ampliação do restaurante, estando a instituição a “pesquisar” possibilidades de apoio.
Com 40 anos de experiência, o CEERDL presta apoio a 533 pessoas com deficiência e/ou doença mental nas suas respostas sociais: lar residencial e residência autónoma (47); centro de actividades ocupacionais (81); centro de atendimento, acompanhamento e reabilitação social (116), serviço de apoio domiciliário (17); centro de recursos para a inclusão (112), centro de reabilitação profissional (140) e fórum sócioocupacional (20). A instituição tem 120 funcionários e actua nos concelhos de Caldas da Rainha, Óbidos, Bombarral e Cadaval.