A prestação de Mr. Joe Berardo, o homem que quis comprar a Mona Lisa e não conseguindo começou a “sua” própria colecção de arte que agora “está onde ele quer, está no jardim prá gente ver”, na comissão de inquérito do Parlamento foi, a todos os títulos, exemplar.
Deixem-me explicar: Berardo falou como fala um rico. De cima para baixo. Sem humildade, sem compromisso. Como alguém que, tendo tudo, nada tem a perder.
Vivendo, como os ricos, na leveza do “usufruto”, sem ter de prestar contas ou satisfação a ninguém.
Rodeado de uma corte de engenheiros financeiros e de expeditos advogados, vive no último andar da impunidade, sem dívidas, na boa e em paz de espírito, criando a sua família e vigiando, ao de leve, os negócios que afinal não tem, a riqueza que afinal não gera, os impostos que não paga e a sua amada cultura que não lhe devolve nem o luto, nem o amor.
A mim não me surpreende o seu comportamento, completamente conforme à cartilha liberal e capitalista que todos, mais ou menos, aceitámos como única, chegando, muitos, a admirar o chico-espertismo-mor que nos causou dano, [LER_MAIS] mas que teve o condão de fazer funcionar o sistema, revelando, sem espinhas, o que de verdade (não) acontece quando são os ricos a sentarem-se do outro lado, a responderem às pergunta de juízes ou deputados. Uma espécie de brincar aos culpadozinhos.
O capitalismo é isto. Como diz o poeta Leonard Cohen, “os ricos têm as suas suites nos quartos dos pobres”. Não é iniciativa liberal, é desumanidade.
Não é direito à propriedade privada, são muros grossos de ódio e oportunismo. Não é serem mais iguais que os outros.
É ninguém ser igual a eles. É ser à prova de tudo, em especial à prova de humanidade. Sem pestanejar.
*Músico