Anos de 2012 e 2013. Numa das fases mais difíceis da sua história, Portugal vivia intervencionado pela troika, incapaz de pagar as suas contas e com a recessão a deteriorar as condições de vida dos portugueses, cada vez mais pobres, com cada vez mais desempregados.
No entanto, qual aldeia de gauleses, houve uma actividade que se manteve forte e pujante, contrariando toda a tendência que levou, segundo o Instituto Nacional de Estatística, a uma perda de riqueza no País superior a 6% naquele período.
Estamos a falar do futebol. É precisamente a essa temporada que nos remete o livro O Valor Económico do Futebol Distrital, da autoria de Manuel Nunes, presidente da Associação de Futebol de Leiria, e que foi apresentado na semana sexta-feira no Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos.
Na sessão, que decorreu no Espaço Ó, partilharam a mesa com o autor Margarida Reis, vereadora do Desporto da Câmara Municipal de Óbidos, Vítor Pataco, presidente do Instituto Português do Desporto e da Juventude, e Júlio Vieira, director da Federação Portuguesa de Futebol e anterior responsável máximo pelo futebol distrital.[LER_MAIS]
Ora, na época 2012/13, a que o estudo nos remete, havia 688 equipas e 10.500 praticantes no distrito. Manuel Nunes quis saber qual foi o impacto económico directo promovido pela Associação de Futebol de Leiria.
Somou equipamentos, seguros, material desportivo, viaturas, combustível, manutenção de veículos, remunerações a treinadores e fisioterapeutas, custos com instalações, água, gás, luz, inscrições, bilhetes e policiamento. Feitas as contas, “dá um valor de desenvolvimento económico de 8 milhões de euros”, sublinha. A receita para o Estado, entre IVA, IRS, TSU e outros impostos, chega 1,7 milhões de euros.
Em contrapartida, explica, o financiamento directo do Instituto Português do Desporto e da Juventude para actividade futebolística no distrito não ultrapassou os 25 mil euros, diz Manuel Nunes, que lamenta o “subfinanciamento” do sector, até porque promove a saúde e está cientificamente provado que melhora o rendimento escolar dos praticantes.
“Logicamente, não concordamos que o futebol – e o desporto em geral – seja visto como matéria de luxo, quando verificamos todos os dias, nos jornais e na televisão, que faz bem à saúde. Mas depois, em termos de matéria fiscal, é da mais elevada, quando há bem pouco tempo até a das touradas baixou”, sublinha o responsável.
Já para o presidente do IPDJ, este livro “evidencia a resiliência do movimento associativo”. “Foi, na crise financeira europeia, o movimento mais resistente sob o ponto de vista económico. Conta com pessoas em regime benévolo, muitas delas, e com profissionais dedicados, que têm uma conexão emocional com a actividade que muitos outros não têm. O futebol cresceu mesmo ma crise e isso vale a pena sublinhar”, diz Vítor Pataco.
Ajudas
Uma das lutas de Manuel Nunes nas últimas duas décadas é o estatuto do dirigente desportivo benévolo, aqueles que viabilizam a prática desportiva dos jovens e que nada recebem em troca. “Actualmente, no País, existem cerca de 200 mil praticantes, dois mil clubes, 12 mil equipas e cerca de 30 mil dirigentes. Tendo em conta o salário mínimo, se se pagasse esse trabalho, se fossem ressarcidos, custariam cerca de 1,4 milhões de euros. Mas não são.”
Ao longo dos anos, o dirigente da Associação de Futebol de Leiria entregou ao poder político várias propostas de estatuto, que “continua a não existir”. “Em jeito de compensação no IRS ou em termos de reforma, deveriam ser recompensados.” Uma proposta recente do Comité Olímpico de Portugal é “extraordinária” e “absolutamente completa”, entende Júlio Vieira.
“Tem a questão das horas, das faltas, a parte fiscal e uma pequena majoração na idade da reforma, com os impostos a serem pagos pela própria pessoa, pelo que não vem daí nenhum acréscimo de despesa para o Estado”, sublinha o director da FPF.
“É preciso que entendamos que houve uma evolução. O dirigente altruísta, que trabalha para o clube durante 20 anos de forma graciosa, cada vez é mais raro. Por razões da própria vida das pessoas, porque têm de ir trabalhar para longe, já não estão tão enraizadas na sua terra. Não há dúvidas que a geração dos 20, 30 e 40 anos não está a dar ao movimento associativo o mesmo que a dos 50, 60 e 70 deu.”
Uma matéria controversa para Vítor Pataco, que coloca algumas “reservas” nos benefícios que se queiram dar aos voluntários. “Não sou contra, os benefícios fazem sentido, mas deverá haver algum equilíbrio para não pôr em causa a própria natureza do voluntariado, que assenta na paixão e na vontade de ajudar os outros. Fazem-no de forma desinteressada e tenho algum receio que se se colocarem muitos benefícios deixemos de ter voluntários para passarmos a ter mercenários, desculpem a expressão.”