No contexto do coronavírus, há feiras internacionais canceladas, viagens de negócios adiadas e bancos fechados na China. Ao mesmo tempo, admite-se que alguns produtos portugueses, e da região, possam ter mais procura.
As declarações da ministra da Agricultura sobre a epidemia causaram polémica, mas o docente do Politécnico de Leiria Márcio Lopes concorda que não representa apenas uma ameaça para a saúde, também agita a economia e abre oportunidades.
“Pode haver dois factores positivos”, adianta. “A China é o maior consumidor mundial de carne suína e os suinicultores leirienses poderão ser beneficiados se houver uma maior preferência chinesa por carne animal importada da Europa”.
Um outro efeito é possível no sector dos moldes, com o especialista em Economia, Finanças Públicas e Gestão a dar conta de projectos desviados para Portugal – “casos pontuais”, diz – porque os gestores e administradores das multinacionais produtoras de automóveis não estão a viajar para a China.
“Hoje, e cada vez mais, os factores extra-económicos determinam mudanças rápidas nos mercados. E é preciso ter um olhar analítico descomplexado sobre esses fenómenos da realidade social”, refere ao JORNAL DE LEIRIA.
À margem de uma visita à feira de frutas e legumes Fruit Logistica, na Alemanha, a ministra da Agricultura disse que a propagação do coronavírus “até pode ter consequências bastante positivas” para as exportações portuguesas.
“Não tenho dados que me permitam fazer uma avaliação. Atendendo a que é um mercado emergente, em crescimento explosivo, temos de preparar-nos para corresponder à nossa ambição que é reforçar as nossas vendas e equilibrar a nossa balança comercial”, afirmou Maria do Céu Albuquerque, citada pela agência Lusa, lembrando o que já aconteceu no passado: “A Ásia e a China têm um problema de saúde publica, nomeadamente com a peste suína africana, e também isso se veio a demonstrar enquanto um potencial para promover as nossas exportações”.
À boleia das declarações da ministra da Agricultura, o secretário-geral da Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores, João Bastos, confirmou, à TSF, a leitura de Maria do Céu Albuquerque.
“Esta situação tem acabado por beneficiar um pouco as exportações, porque (…) os chineses neste momento confiam muito na carne importada. Em termos de hábitos de consumo, também temos reparado que se têm alterado, isto no sentido de que cada vez mais os chineses estão a fazer compras online, ou seja, estão a deixar de ir quer ao supermercado quer ao restaurante e estão a procurar mais informação online sobre a origem dos produtos que consomem”, descreveu.
Segundo João Bastos, “tem havido mais encomendas de carne para exportar”, o que o leva a projectar para 2020 um cenário em que será possível, pelo menos, “duplicar as exportações de carne de porco portuguesa para a China”.

Os concelhos de Leiria, Batalha e Porto de Mós, juntos, representam 22% da produção nacional de carne de porco, percentagem que sobe para 35% quando se considera o conjunto do distrito de Leiria.
O presidente da Associação de Suinicultores de Leiria aborda o tema com cautela e diz que “todos temos de estar preocupados” com o coronavírus. Ainda assim, David Neves admite que as vendas online “estão a subir vertiginosamente na China” e “os chineses estão a dar preferência aos produtos que vêm de fora, por questões de segurança”.
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Há, no entanto, um outro factor que explica o incremento das exportações de carne de porco para a China, mercado aberto por Portugal no final de 2018. É que há mais cinco empresas autorizadas, depois das três iniciais, ou seja, são agora oito matadouros reconhecidos pelas autoridades chinesas.
O efectivo de suínos na China encontra-se muito abaixo do normal, por causa do surto de peste suína africana. O que abre a porta a produtores estrangeiros.
Para os suinicultores portugueses, e de Leiria, “o mercado chinês é indiscutivelmente um dos mais apetecíveis do mundo”, explica David Neves. “Em termos de venda média, somos mais valorizados a vender para a China do que a vender para Portugal”.
As previsões da Federação Portuguesa das Associações de Suinicultores divulgadas até agora apontam para exportações de carne suína nacional para a China no valor de 100 milhões de euros em 2019 e a subir para 200 milhões de euros em 2020.

No sector da pedra, a China é um destino “muito importante” para as empresas portuguesas, incluindo as que estão localizadas nos concelhos de Alcobaça e Porto de Mós.
“É o nosso segundo maior mercado logo a seguir a França”, detalha Miguel Goulão, vice-presidente da Assimagra – Associação Portuguesa dos Industriais dos Mármores, Granitos e Ramos Afins.
Um dos primeiros efeitos da propagação do coronavírus prende-se com a dificuldade em obter recebimentos de clientes chineses. “O que está a acontecer com o encerramento da banca na China é que há muita dificuldade de haver transacções financeiras, elas são inexistentes, mesmo, o que para já não é grave, mas, se a situação se prolongar, pode ter impacto na tesouraria das empresas”, explica o dirigente, que reconhece os riscos de um prolongamento da conjuntura nos próximos meses.
“Vai ter um impacto muito grande no nosso sector. Esperemos que não. Substituir um mercado como a China não é fácil de um dia para o outro”. Miguel Goulão avança que a maior feira internacional na China relacionada com as rochas ornamentais foi adiada e os clientes chineses, que em condições normais estão em Portugal todos os dias, vêem-se forçados a cancelar as viagens.
Manuel Oliveira, secretário-geral da Cefamol – Associação Nacional da Indústria de Moldes, garante que nesta fase as empresas do sector trabalham com normalidade. No entanto, Portugal e China são concorrentes, competem pelos mesmos clientes e projectos. Se as restrições na China provocadas pelo coronavírus se prolongarem, é de admitir que os clientes comecem a optar por manter os projectos na Europa.
Já as exportações de plásticos do distrito de Leiria para a China estão sobretudo relacionadas com a actividade da Sirplaste, que transforma plástico usado em matéria-prima para a indústria pronta a reentrar no ciclo produtivo. Ricardo Pereira, um dos responsáveis pela empresa, explica que “os negócios para a China já estavam a abrandar muito por conta do abrandamento da economia chinesa”, mas reconhece que a manter-se a situação de epidemia poderá haver “limitação na disponibilidade de contentores marítimo”, com “perda de vendas”. Por enquanto, é certo que uma das feiras mais importantes para o sector na China foi adiada.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, as exportações de bens do distrito de Leiria para a China totalizaram, no ano passado, 28,2 milhões de euros.