2020 vai ser um ano inesquecível. Ninguém em qualquer parte do mundo vai conseguir apagar as imagens chocantes do número de mortes por SARS-CoV-2, falta de camas nos internamentos e cuidados intensivos ou ter de decidir quem vive e quem morre, por inexistência de ventiladores em número suficiente, como nos foi relatado em Itália.
Em Portugal, a pandemia de Covid- 19 apareceu em Março. Nos cerca de 300 dias que vivemos uma nova realidade, com confinamentos obrigatórios e restrições a pensar na saúde pública, a população está carente de afecto, sobretudo de poder abraçar os que lhe são mais próximos.
O Natal é uma época de convívio. Independentemente de se ser católico ou não, é rara a família que não assinala a quadra numa reunião com aqueles de quem mais gosta. É, para muitos, a oportunidade de reencontros, pelo menos, uma vez por ano. Este Natal será diferente para muitas famílias.
Os jantares com 20 ou mais pessoas vão ser suspensos para que todos se possam reunir de novo no próximo ano, esperando que o coronavírus já não seja um problema. A preocupação em proteger, sobretudo, os mais velhos, que estão entre os grupos de risco da Covid-19, obrigou as famílias a reinventarem-se e a ter um Natal mais triste.
Em casa de Frederico Brazão Ferreira, administrador da Lubrigaz, o Natal é motivo para reunir mais de 20 pessoas. “São cinco filhos, todos casados, mais 14 netos, eu e a minha mulher. Além destes, convidamos para a nossa casa mais pessoas”, conta o empresário. A família tem vindo a crescer e os netos já trazem os namorados. “A reunião é grande.”
Este ano tudo será diferente. “Vai custar-nos e será mais triste.” A casa ficará mais vazia na noite da Consoada, que será partilhada, apenas, pelo casal – junto há 61 anos – e uma cunhada, que está na família desde 1950. “Vamos escalonar nos dias anteriores e posteriores um pequeno encontro. Os filhos e netos vão passar aqui por casa para um ‘abraço’ virtual, sem tirar a máscara. Não deixa de ter a importância de nos podermos ver, mesmo por pouco tempo”, assume. Nos seus quase 90 anos, Frederico Brazão Ferreira brinca: “Vamos ter vários natais dentro do Natal”.
Apesar de não ser a Consoada que gostaria de ter, o empresário sublinha que é necessário “ter muito respeito por tudo o que se está a passar e assumir a responsabilidade individual”.
No jantar do dia 25, aos três ir-se-á juntar uma das filhas. “Seremos cinco, mas haverá distanciamento e uso de máscara fora da refeição.”
[LER_MAIS]A pandemia provocada pelo SARSCoV- 2 não impedirá, contudo, de manter a tradição de homenagear o menino Jesus. “Somos católicos e todos os presentes participam com um pequeno parágrafo.”
Este ano, todos vão ter o seu papel, mas à distância. “Atempadamente vai ser distribuído um pequeno texto e cada um entrará em directo, através do skype, para a sua leitura. Não sendo física, cada um terá na mesma a sua intervenção.”
Frederico Brazão Ferreira admite que, embora seja triste passar um Natal como o deste ano, “é preferível para que haja mais natais” e “não se hipoteque este e a vida dos outros”.
De 20 para 8 na casa Palheira
Natural de Pedrógão Grande, Carlos Palheira sempre esteve habituado a noites de Natal com muita gente. Desde pequeno que a família se juntava toda e havia muita brincadeira e alegria entre a criançada.
“Todos os anos somos entre 15 a 20 pessoas. Juntamo-nos sempre em casa dos meus pais, em Pedrógão Grande, na minha ou na da minha irmã”, conta o vereador de Desporto do Município de Leiria. O Natal é idêntico ao da maioria dos lares portugueses.
À mesa não falta o bacalhau, as couves, o polvo, o galo e as filhoses e bolo rei para a sobremesa, entre todas as iguarias tradicionais. O momento tão esperado para os mais pequenos – a troca de presentes – acontece à meia-noite. “O meu sobrinho mais novo vestia-se de Pai Natal e entregava as prendas às crianças”, revela.
“É um Natal com muita juventude e muito festivo.” Com a vida agitada que todos levam, Carlos Palheira sublinha que a quadra é “um momento importante de reunião familiar, porque não há pretexto para faltar”. Todos “fazem um esforço” para se juntarem e aproveitam a noite para contar todas as novidades uns aos outros.
O SARS-CoV-2, um ‘inimigo invisível’, obrigou a que este Natal tudo seja muito diferente. “Serei só eu, as minhas filhas, mulher, pais, sogra e cunhado. Seremos oito e, mesmo assim, teremos todas as preocupações recomendadas pela Direcção- Geral da Saúde.” Na casa de Carlos Palheira não faltarão as máscaras e o álcool-gel.
“Os afectos serão diferentes e não haverá grande proximidade. Não é um Natal mais triste, mas bem diferente”, admite. O autarca entende que a pandemia apenas dificulta a forma de viver como estávamos habituados.
“Não deixamos de gostar de quem não podemos estar junto. Temos de viver de forma diferente, neste momento.” Precisamente por isso, os familiares não ficam esquecidos e ao longo de toda a quadra natalícia haverá vários momentos de entrega dos presentes, “mas sem convívio social”.
“Haveremos de encontrar uma maneira, mas serão sempre encontros breves e pontuais”, reforça Carlos Palheira. Quando era pequeno, a tradição na casa Palheira era ir apanhar um pinheiro para fazer a árvore de Natal em casa. “Construíamos o presépio, que crescia todos os anos. Eu e os meus irmãos todos os anos comprávamos uma nova figura. Ao final dos anos, o presépio estava grande. Apanhávamos o musgo e recriávamos montes… Era uma construção familiar.”
As filhoses, o bolo rei e todos os doces de Natal estavam sempre disponíveis em casa desde o Natal até ao Dia de Reis (6 de Janeiro).
Escrever ao Pai Natal
Numa família de seis irmãos, Lino Ferreira, presidente da Acilis – Associação de Comércio, Indústria, Serviços e Turismo da região de Leiria, costuma ter um Natal com quase 30 pessoas em casa.
Irmãos, filhos, cunhados, sobrinhos, genros e netos estão sempre presentes numa das três casas de familiares, por onde roda a organização da Consoada.
“Gosto muito do Natal e de ter muita família e muita gente à volta da mesa. É uma alegria”, conta, revelando que não falta o bacalhau, o cabrito e o leitão.
No dia 25, é tradição confeccionar a roupa velha. Os doces também não faltam, assim como a troca de presentes entre todos. “É muito giro ver a garotada juntar-se à volta da árvore de Natal à meia-noite à espera dos brinquedos que acabam sempre por receber. É mesmo um momento único de muita alegria”, revela.
Dias antes, os mais novos escrevem um “bilhetinho ao Pai Natal a pedir o seu presente.” Lino Ferreira lembra que quando era criança colocava o “sapatinho na lareira à espera do presente”.
Este ano, tudo será diferente. A noite da Consoada será partilhada pelas pessoas mais próximas: mulher, filhos e respectivos companheiros, e netos. “Explicámos às crianças mais velhas a situação da pandemia, para terem noção das restrições e claro que ficaram tristes por não poderem estar com os primos”, confessa.
Nos dias seguintes estão previstos “vários Natais”. “Faremos chegar os presentes à restante família, mas sem o convívio. Temos de ser responsáveis e cumprir as regras em vigor. Os tempos não estão fáceis. Não vou estar com a minha mãe, mas estes sacrifícios são para que depois nos possamos todos voltar a abraçar”, sublinha.
Lino Ferreira admite que esta será uma quadra “mais triste e com menos vida”, mas deseja que seja com “muita saúde para todos”.
Na sua casa “há espaço suficiente” para poder acomodar todas as pessoas, mas Lino Ferreira assume a importância da “responsabilidade individual” neste contexto de pandemia. “Haverá outros natais para estarmos juntos.”