A partir dos anos 50, a industrialização massificou a produção de facas, deixando cair a cutelaria artesanal, que era tradição na região do Oeste, sobretudo nas Caldas da Rainha e em Alcobaça. Mas nos últimos anos, à medida que a cozinha passou a estar na moda, tem vindo a crescer o número de jovens que aprendeu e se dedica à cutelaria de autor, ganhando mercado no País e no estrangeiro.
Paulo Tuna (“the bladesmith”), um dos artesãos que organizou a NAIFA- feira de cutelaria, que se realizou no passado fim-de-semana, no Centro Cultural e de Congressos de Caldas Rainha (CCC), é também um dos responsáveis pela recuperação deste ofício tradicional da região Oeste. O artesão, formado na área das artes plásticas, e Carlos Norte, nascido numa família de cuteleiros, interessaram-se pela [LER_MAIS]cutelaria de autor, abraçaram a profissão, e têm dinamizado várias formações, contribuindo para disseminar o gosto e o conhecimento.
À medida que a cozinha se tornou moda e teve um boom, tem vindo a crescer o número de pessoas que se dedicam à cutelaria de autor. Alguns a tempo inteiro e a maioria em part-time, explica Paulo Tuna. “Há 4 ou 5 anos, num evento do CCC, reuniram-se 30 expositores, metade portugueses e metade estrangeiros. Agora temos 28 expositores nacionais. E na nossa região haverá mais de 15 cuteleiros dos 20 aos 70 anos”, estima Paulo Tuna.
“Trata-se de uma cutelaria fina, artesanal, de objectos únicos, com outro valor humano, que tem outra beleza estética”, salienta o artesão, cujas facas têm sido compradas por clientes de todos os continentes. “Uma faca pode custar desde 100 euros até várias centenas de euros. Não só porque os materiais são muito dispendiosos [desde os aços, materiais compósitos, ossos ou madeiras], mas também porque uma faca artesanal leva, em média, dois dias a executar”, refere Paulo Tuna.
Quanto à NAIFA, foi organizada este ano de forma a reunir artesãos portugueses e estrangeiros, para promover a interacção e partilha de conhecimentos, antecedendo o Encontro Internacional das Capitais de Cutelaria, que se irá realizar em 2026 nas Caldas da Rainha, contextualiza o artesão.
Carlos Norte nasceu numa família dedicada à cutelaria. “O meu pai fundou três fábricas de cutelaria na zona. Trabalhei com ele até descobrir este artesanato e iniciar o projecto Lombo do Ferreiro há cerca de 15 anos.” Executar facas de forma artesanal leva tempo. “Faz-se uma de cada vez, com tratamento especial do aço, é personalizada ao nosso gosto”, sublinha Carlos Norte, que fala ainda de uma fidelização de clientes que já tem, entre os quais o Alma, restaurante com estrela Michelin de Henrique Sá Pessoa.
Aprender e inovar
Tal como Paulo Tuna e Carlos Norte, também Estêvão Lourenço reside nas Caldas da Rainha, onde se apaixonou pela cutelaria artesanal, em particular pela arte de fazer canivetes. Quando saiu de uma indústria de metalomecânica, Estêvão foi parar por mero acaso a uma indústria de cutelaria.
“Foi em 2005 ou 2006 e essa actividade não me chamou muito a atenção. Foi quando conheci a cutelaria de autor que achei interessante”, recorda o artesão. Bebeu do conhecimento dos poucos homens de gerações mais velhas que ainda dominavam este saber-fazer e avançou para a execução dos seus canivetes. Foi assim que, em 2013, arrancava com este negócio.
Com 51 anos, Estêvão ainda se lembra como era comum comprar-se um canivete aquando das vindimas. Somando esse conhecimento ancestral a técnicas mais inovadores, o artesão faz hoje quer as peças que mantêm a tradição e a estética da região, como outras mais arrojadas.
Esta chegou a ser a sua profissão a tempo inteiro, até à pandemia, contudo a Covid-19 travou a participação em eventos onde dava a conhecer o seu trabalho. Actualmente, voltou a exercer como electrotécnico, mas mantém a cutelaria como passatempo. São sobretudo os portugueses os seus principais clientes, além dos turistas norte-americanos e dos emigrantes franceses que também são grandes apreciadores dos seus artigos.
NAIFA celebra património
Mais do que uma feira, a NAIFA é uma experiência cultural, sensorial e humana — uma celebração da cutelaria enquanto arte, património e ofício vivo. De entrada gratuita, integrou programação pensada para todos os públicos: profissionais, curiosos, famílias e coleccionadores. Esta feira da cutelaria foi promovida pela CENTRA – Associação dos Amigos do Centro de Artes, contou com os apoios da Câmara das Caldas da Rainha e do Centro Cultural e de Congressos e do Centro de Artes das Caldas da Rainha. O evento incluiu “o programa das Cidades Criativas da UNESCO, no qual as Caldas da Rainha se destacam pela área do artesanato e artes populares”, informou a organização.