Os dias de Salvadore não diferem muito dos de milhares de jovens deste País. Acorda cedo, vai trabalhar numa fábrica de madeiras e ao fim do dia tem treino. Passa os tempos livres com a namorada, com quem reside, e a dar mimos ao pequeno dálmata que chegou há dias ao seio da família.
O domingo é sagrado: é dia de jogo. Se ganha passa os dias seguintes animado, mas se perde volta para casa com o insatisfação normal de quem é competitivo.
Os dias de Salvadore não diferem muito dos de milhares de jovens deste País, é bem verdade, mas podia muito bem ter a vida que grande parte sonhava ter. É que este rapaz de 26 anos “tinha tudo” para ter uma carreira futebolística ao mais alto nível, mas viu os sonhos fugirem à medida que os anos foram passando.
Ainda hoje detém o recorde do jogador mais jovem a estrear-se na 1.ª Liga albanesa, tinha 16 anos. Alinhava então no histórico clube do exército, o Partizani de Tirana, e todos lhe auguravam um futuro radioso.
Foi internacional pelo seu país nos escalões sub-17 e sub-19 e, numa das nações mais pobres da Europa, o pai, polícia, e a mãe, desempregada, estavam entusiasmados com as expectativas de carreira que o futebol oferecia.
E foi assim que, arrebatado, respondeu sim ao convite apresentado por um empresário albanês com fortes ligações à região Centro. Aos 18 anos mudou-se de armas e bagagens para Portugal, mas o destino não foi a Académica, nem sequer a União de Leiria ou o Beira-Mar.
À espera de Salvadore Sulçe estava… o Penelense, dos distritais de Coimbra, clube que nessa temporada acabaria por vencer a competição e subir à 3.ª Divisão.
Era ainda adolescente e já as coisas estavam a dar para o torto. “A intenção era ser profissional em Portugal, mas o meu empresário teve problemas financeiros e deixou de investir em mim. Nunca mais voltou a falar comigo. Deixou-me em Penela, só, e tive de me arranjar. Valeu-me a Direcção do clube, que me arranjou alimentação, casa e trabalho.”
Com os sonhos traídos, o médio criativo regressou à Albânia no final da temporada. Jogou no Partizani e no Dinamo, e passados dois anos quis regressar a Portugal e a Penela, na esperança de que as oportunidades de jogar a um nível mais elevado surgissem. “Voltei como forma de agradecimento por tudo o que fizeram por mim”, explica.
Ficou três anos, habituou-se à língua e à comida locais e hoje “até couves” come. Mas o tempo que pensava ser suficiente para “conseguir dar o salto”, não foi suficiente para que a proposta chegasse.
“O futebol é assim. Nunca tive oportunidade de me testar num clube dos campeonatos nacionais. Falhou o apoio de um empresário e sem esse apoio, em Portugal, é muito difícil.”
No início da temporada passada recebeu um convite, sim, mas para rumar 20 quilómetros a Sul e jogar no Caçadores de Ansião, do principal escalão do futebol distrital de Leiria. A época correu bem e destacou-se.
[LER_MAIS] Apesar de jogar a número 10 ou a extremo, foi o melhor marcador da equipa, com 17 golos. Este ano continua a espalhar talento e já leva nove golos em dez partidas, um dos quais a 35 metros da baliza, e lidera a lista dos goleadores da Divisão de Honra distrital.
Quando perceberam que uma carreira ao mais alto nível era uma ilusão, os pais ainda quiseram que o filho voltasse para casa, mas Salvadore não quis. “Tenho uma vida aqui”, explica. Há dois anos que não vai a casa e as saudades apertam, não esconde.
“Para o ano já vou e levo a minha namorada”, promete. Enquanto o momento do reencontro não chega, “todos os dias” fala com a família via redes sociais. Além dos pais, tem três irmãs e “muitos sobrinhos” para conversar.
Hoje, o jovem está apaziguado com a vida. Além de jogar à bola e dar uma ajuda aos benjamins, trabalha numa empresa de madeiras com fortes ligações ao clube, a Friesen e, mais importante do que tudo, namora com uma menina da terra. E, por isso, vê a vida de uma outra maneira.
“Gostava de continuar a viver em Ansião, pois é um sítio agradável, onde conhecemos a maior parte das pessoas e fazemos mais amigos. Nunca vou desistir de sonho de ser profissional, mas sei que cada ano que passa fica mais difícil.”