O orgulho em representar as origens é “enorme” e até sente “borboletas no estômago” só de pensar no que está para chegar. Filipe Gomes está à beira de nadar nos Jogos Olímpicos com o peso adicional de ser o único representante de um país naquela competição.
Será com as cores do Malawi, terra onde nasceu, lugar que muito ama e que quer honrar até ao limite das suas forças.
A história começa quando os avós maternos de Filipe Gomes se mudaram para África, ainda jovens. O avô abriu uma oficina de bate-chapas, integrou-se na comunidade e construiu família. A terceira geração já nasceu naquele ambiente.
O rapaz, de resto, sempre adorou os petiscos da avó, um twist entre comida portuguesa com ingredientes africanos. O que nunca podia faltar era o nsima, um prato à base de farinha de milho, na forma de um puré branco.
Constitui a base da alimentação quotidiana e é, desde 2017, Património Cultural Imaterial da Humanidade. “A minha avó faz muito com caril de frango e aquele molho em cima do nsima fica delicioso.”
Foi no lago Malawi, ou Niassa, um dos maiores do mundo, que Filipe começou a nadar. “Ia sempre com colete, mas houve um dia em que me atiraram para dentro de água e fui a nadar à cão até ao meu pai.” Jamais imaginaria que seria o prelúdio para uma carreira internacional, mas foi.
Tinha 10 anos quando Filipe se mudou, com os pais, para Leiria. Teve de se adaptar à língua e ainda hoje, aos 23 anos, tem um ligeiríssimo accent na língua oficial daquela antiga colónia britânica que lhe adoçica as palavras.
“Quando nasci só falava português e quando fui para a escola não sabia falar inglês. Tive de aprender, desligar-me do português e depois esqueci-me. Mas a minha primeira língua ainda é o inglês e se tiver de fazer uma conta de matemática ainda o faço em inglês.”
Antes, aos 7 anos, tinha começado a nadar nas piscinas locais, pelo que a adaptação a Portugal também foi muito feita dentro de água. “Destacou-se muito rapidamente. Era pequenino, mas muito ágil. O trabalho de base de formação dele foi muito bem feito”, assegura João Paulo Fróis, o treinador desde então.
[LER_MAIS]Até que uma vez, em 2015, estava a falar sobre o facto de ter dupla nacionalidade no ginásio quando Nuno Santos, colega no Bairro dos Anjos, atirou: “e se começasses a competir pelo Malawi?” Entrou em contacto com a federação malawiana, que correspondeu ao interesse.
Hoje, Filipe Gomes tem a participação em três Mundiais no currículo e seguem-se os Jogos Olímpicos. “É um sonho. Pensava que seria impossível atingir aquelas marcas. Surgiu a oportunidade e fico emocionado só de pensar que lá vou estar.”
Os primeiros lugares podem ser uma miragem, mas não é isso que o faz abrandar. Filipe Gomes parte para Tóquio com o objectivo de estabelecer um novo recorde nacional na prova que vai nadar, os 50 metros livres, que na verdade já lhe pertence, como outros 32. Exceptuando a técnica de costas, é tudo dele.
“Mesmo quando não me apetece treinar, sinto-me bem por ter feito o que não queria fazer”, sublinha. O treinador concorda. “Trabalha muito, de igual para igual com os melhores atletas internacionais. É extremamente robusto, não se nega e vai ao limite. Quer registar um recorde e ficar marcado que foi nos Jogos Olímpicos. Todos os dias alimenta isso no treino.”