Márcia tem 12 anos e desde os 8 anos que faz o percurso casa-escola a pé, por vezes sem acompanhamento de um adulto. Começou a ter autonomia no 3.º ano do 1.º ciclo. A escola estava a cerca de 200 metros de casa. A autonomia e responsabilidade que foi ganhando levou os pais a permitirem manter o mesmo ritmo quando foi para o 2.º ciclo, a cerca de dois quilómetros de casa.
“Agora é raro ir a pé, mas vem quase sempre para casa. Se não fosse tão carregada até iria mais vezes sozinha. Há um dia da semana que não tem aulas à tarde, pelo que vem sozinha e ainda vai buscar o irmão, que está na primária”, revela Nélia Gameiro.
Desengane-se se pensar que esta mãe está confiante de que nada pode acontecer. Admite que o coração fica apertado, mas tem consciência de que é preciso dar liberdade, com responsabilidade.
“Peço-lhe sempre que me ligue assim que chegar a casa. Estou sempre receosa que possa acontecer algo, mas sei que estou a prepará-la para o futuro. Se um dia tiver de andar sozinha, já está mais apta”, salienta.
As idas para o treino e para a catequese de bicicleta também são usuais. “Quando não tinha telemóvel pedia à catequista para me telefonar assim que chegasse. Há sempre medo, mas também sinto que ela é responsável. É saudável para ela e até para nós pais, que aprendemos a desligar-nos um bocadinho.”
Nélia Gameiro também ia a pé para a escola com os colegas e recorda a animação que era. “Íamos sempre na conversa durante todo o caminho.” A filha nem sempre tem companhia, porque há amigos “mais preguiçosos” e outros não vão porque os pais têm medo de os deixar ir.
“Não é deixá-los à vontade, é dar-lhes a oportunidade de crescer e de saberem desenrascar-se quando for necessário.”
Emília Caçador Lopes, 10 anos, está no 4.º ano e todos os dias é uma animação o caminho a pé para a escola. Do centro histórico de Leiria até aos Capuchos, a menina segue com mais três rapazes, a mãe e os seus cães.
“Gosto muito de ir a pé. Vamos sempre na conversa sobre o que vai acontecer nesse dia ou sobre o que se passou no dia anterior. Falamos também sobre os jogos”, conta.
A mãe, Filipa Caçador, confessa o mesmo entusiasmo. “Não me meto nas conversas, mas ouço-os a falar sobre as discussões que aconteceram na escola, sobre os jogos que disputam em rede… é muito engraçado.”
A morar no centro, Filipa Caçador [LER_MAIS] começou a levar a filha à escola a pé, aproveitando para passear os cães. “Os amigos começaram a ver-nos e pediram para nos acompanhar.” Entre os quatro – seis quando os sobrinhos se juntam ao grupo – vai um menino do 1.º ano, que “eles protegem”.
Aos poucos, esta mãe também lhes foi dando alguma autonomia. Se no início os levava até à escola, a distância para os ‘largar’ foi aumentando. “Fico a vê-los ao longe e é muito giro ver como têm preocupação com o mais pequeno, dando-lhe a mão sempre que sentem que pode haver algum perigo.”
Quando era pequena Filipa Caçador também ia a pé para a escola com a sua irmã gémea e são tempos que lhe trazem boas recordações. Esta mãe já se apercebeu do cuidado que todos têm a atravessar a estrada.
Por exemplo, se faltam poucos segundos para o “boneco verde” passar a vermelho, já não avançam. Esta segurança contribui para ter mais confiança na filha e dar-lhe mais autonomia na mobilidade.
No entanto, ir para o 2.º ciclo a pé “só meses depois de fazer o percurso algumas vezes”. O medo desta mãe não é muito diferente de tantas outras: acidente rodoviário. “Leiria parece-me uma cidade relativamente calma para assaltos a pessoas durante o dia, mas há muito trânsito.”
Quero ir a pé para a escola
A Câmara da Nazaré aderiu recentemente à iniciativa Quero ir a pé para a escola, com os alunos dos 3.º e 4.º anos do Centro Escolar da Nazaré. Esta acção decorreu durante o mês de Maio, com o objectivo de criar novos hábitos às crianças nesta faixa etária. “Caminhar é um dos melhores exercícios para combater a obesidade infantil: aumenta a resistência, a agilidade, melhora a saúde cardiovascular e a capacidade pulmonar”, refere o Município da Nazaré em nota de imprensa.
Além de proporcionar o contacto com o ar livre, “melhora o estado de ânimo, o rendimento escolar das crianças, favorece a concentração, melhora a capacidade de aprendizagem e estimula a imaginação”.
A acção permitiu aos alunos do pré-escolar, 1.º ciclo e comunidade educativa fazerem o trajecto de casa para a escola a pé, acompanhadas por uma equipa, e por percursos pré-definidos e em segurança. Integrado no movimento mundial iwalk, o projecto promove a caminhada em detrimento do transporte privado, promovendo, assim, o “desenvolvimento das capacidades cognitivas e sociais, a autonomia individual da criança no espaço público e a actividade física como aliada no combate à obesidade”.
Quero ir a pé para a escola irá funcionar como programa-piloto no actual ano letivo, uma vez por semana, com partida dos participantes a partir de quatro pontos de encontro definidos pelo Gabinete de Educação da Câmara Municipal.